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Em parte a crítica faz muito sentido. Na era do “evangeliquês”, atrapalhamos consideravelmente a  compreensão do evangelho quando falamos, de maneira inadvertida, sobre “efeitos da queda”, morte vicária, justificação, e outras expressões talvez bem conhecidas de pastores, estudantes de teologia, e cristãos afeitos à leitura, mas completamente distantes de novos crentes, de visitantes, ou mesmo de antigos crentes sem muita profundidade de compreensão da fé cristã.

Por vezes falamos de cosmovisão, dualismos, dicotomia, linha do desespero, aspectos modais, pressuposicionalismo, calvinismo, tulip, etc., sem a devida preocupação com as pessoas que nos escutam, e assim criamos grande dificuldade de acompanhamento por parte dos ouvintes – se eu me perdi no primeiro parágrafo, como haverei de entender o resto?

Despejar a enciclopédia na igreja?

O uso de jargões e termos técnicos pode causar desestímulo, confusão, e um obscurecimento desnecessário da questão. Lembro de uma vez em que passei meia hora tentando responder a pergunta de um amigo, com as melhores palavras e articulações, e em seguida a avó dele, que nos ouvia, soltou um provérbio popular que resumiu tudo o que eu queria dizer e não consegui adequadamente.

Sou um entusiasta da comunicação contemporânea e clara, que fala a linguagem entendida pelas pessoas do nosso tempo, utilizando modos diretos e simples.

Diante deste panorama parece haver pouco lugar para tais expressões técnicas, certo? Errado!

Conquanto devemos ter a maior preocupação no uso da linguagem, para não criar barreiras desnecessárias à compreensão de nossos ouvintes, e conquanto devamos ser dirigidos por princípios de contemporaneidade e simplicidade, isso não significa que determinados termos antigos e técnicos tenham perdido o seu lugar.

Explico: A linguagem é uma poderosa ferramenta para a formação intelectual – com desdobramentos para o todo da vida. à medida que compreendo os sinais e passo a articulá-los, meus pensamentos também ganham forma. As palavras criam mundos (Deus criou por meio delas) e abrem horizontes de possibilidades para aqueles que as encontram. As palavras reorganizam nossa maneira de pensar e viabilizam a interação com mundo como poucos outros fenômenos fazem.

Pense na palavra “casamento”. Em português, o mesmo termo agrega diferentes sentidos. Basicamente, existe o casamento como cerimônia – restrito a um dia ou alguns, mas num período bem delimitado -, e o casamento como vida conjugal – mais abrangente, envolvendo toda a caminhada de um casal.

Agora perceba como a língua inglesa traduz esses conceitos. Em inglês, os dois sentidos são trabalhos com palavras distintas. Wedding diz respeito à cerimônia, enquanto que marriage fala da vida do casal. Por utilizar palavras distintas, a maneira de pensar de quem tem tal cultura, carrega tal distinção muito forte e claramente.

Já no Brasil, existe grande confusão por se ter apenas uma palavra. Quero sugerir que tal confusão seja tão grande, que algumas pessoas gastam demais no casamento (cerimônia), criando despesas e problemas para o casamento (vida conjugal). Alguns dão prioridade ao primeiro sobre o segundo, sem perceber que a vida está no segundo. (Não se pretende aqui desconsiderar a importância das festas em nossa cultura, mas apontar para o fato de que a inversão de prioridades é problemática).

Pois bem, apresentar a nova linguagem inglesa ao brasileiro que só conhece um termo para casamento é lhe abrir um horizonte de possibilidades, qualificações e distinções até então não percebido. Usar as expressões em inglês, embora possa ser confuso para alguns, é libertador para muitos.

Agora apliquemos esta figura ao púlpito. Considerando que a aquisição de linguagem e a ampliação do vocabulário criam novos mundos possíveis aos interlocutores, o pastor não apenas tem a possibilidade, mas o dever de, pedagogicamente, utilizar expressões técnicas para introduzir suas ovelhas nestes novos mundos de reflexão, compreensão e experiência.

O ponto aqui não é a utilização irresponsável dos termos. Alguns farão isso para demonstrar o quanto são inteligentes – num exercício gigantesco de futilidade e vaidade. Mas o ponto de tal uso é introduzir as ovelhas em novos mundos, nos quais a palavra justificação torna possível imaginar e compreender uma série de elementos, como a percepção de Deus como juiz, o impacto da queda, o lugar de Jesus como mediador e substituto, a graça do Pai, e a nova vida com Deus.

Introduzir novas palavra no vocabulário da igreja é elevá-la em sua compreensão e experiência das verdades bíblicas, habilitá-la a falar mais claramente a respeito do que Deus fez eternamente através de Jesus, e tem feito hoje em sua vida. É lançar bases que logo servirão de degraus para a aquisição de um vocabulário ainda mais extenso e prenhe de possibilidades.

Não acredito que tais palavras e expressões devam ser jogadas sem a devida preocupação de que a igreja está compreendendo o ponto. Nem acho, também, que a igreja entenderá bem o conceito a menos que a palavra seja usada repetidamente. A chave, aqui, pode estar no uso estratégico de tais termos. Conforme o direcionamento da Bíblia, a agenda da igreja, e as necessidades percebidas, novas palavras podem ser colocadas, pouco a pouco, para que a paleta linguística e teológica tenha mais cores.

Esta é uma das maneiras de servirmos a nossos irmãos.

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