Já dizia minha avó: “Falar é fácil, fazer é que são elas”. Sábia, a dona Alzira. Desde que voltei às redes sociais tenho me lembrado muito dessa frase que minha avozinha de vez em quando repetia. Porque praticamente todos os dias vejo postagens de corajosos defensores da fé soltando o verbo em cima de pessoas que eles consideram hereges. Estou me referindo a cristãos acusando cristãos de heresia, entenda, este texto nada tem a ver com apologética direcionada a religiões não cristãs. Possivelmente você já viu irmãos e irmãs atacando, em geral, pessoas famosas, com críticas agudas e, não raras vezes, um quê de agressividade no discurso. Isso é a parte do “falar é fácil”. O que eu não consigo entender é por que esses “apologetas” nunca buscaram entrar em contato pessoal com os “hereges” de quem eles tanto falam para tentar, mediante o diálogo gracioso e a exposição amorosa das verdades bíblicas, buscar conduzi-los à verdade. Pois, bem dizia dona Alzira, na hora do “fazer”… é que são elas.
A defesa da fé é importante e indispensável, isso é evidente e inquestionável. É uma atitude que cabe a todo cristão. A apologética é lícita e saudável, e é praticada desde que a Igreja engatinhava e usava fraldas. Entenda que não tenho nada contra a apologética, pelo contrário: a vivência do evangelho precisa dela – e muito. Só que, pelo que venho observando, me parece que a esmagadora maioria dos irmãos e irmãs que posta textos, vídeos ou comentários nas redes sociais sobre cristãos “hereges” faz isso de modo errado e bem pouco cristão. Ou seja, minha crítica não é a fazer apologética, mas a como se faz apologética. A sensação que me dá é que essa multidão de defensores da sã doutrina (bem-intencionados, em sua maioria, que fique muito claro) acha que defender a pureza da nossa fé é ficar malhando e rasgando o verbo em cima de quem considera estar errado. Só que não é. Você quer saber o que se deve fazer de fato quando se considera que um irmão se desviou da fé? Então proponho que esqueça um pouco o que você vê na internet e preste atenção ao que as Escrituras nos dizem. Leia as palavras de Tiago: “Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg 5.19-20).
Permita-me repetir, pois isso tem que ecoar na sua mente: “Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg 5.19-20).
Essas palavras, para mim, mostram que defender a fé não significa ficar detonando quem você acha que entrou pelo caminho das heresias; é, antes de tudo, tentar conduzir aquela vida que considera estar “desviada da verdade” de volta ao caminho da verdade! Cristãos que consideramos hereges não são para serem queimados em fogueiras virtuais, são para serem amorosamente exortados e discipulados a fim não de que se explodam, mas de que se corrijam, recebam perdão de seus pecados e tenham sua alma salva da morte!
Claro que, muitas vezes, nossa exortação não fará efeito, mas, pelo menos, teremos feito nossa parte. Assim, se consideramos um cristão como herege, primeiro devemos ir até ele e tentar reconduzi-lo à trajetória da retidão. Somente se ele fechar os ouvidos e prosseguir na trilha das trevas é que temos autorização bíblica para tomar outras atitudes. Jesus ensinou: “Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de modo que ‘qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas’. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano” (Mt 18.15-17). O problema é que temos tratado famosos que consideramos hereges como pagãos ou publicanos muito antes de tomar as atitudes anteriores que Jesus ensinou. Chego a me perguntar se alguma vez alguém fez isso. Meu irmão, minha irmã, um erro não justifica o outro. Estamos invertendo a ordem das ações estabelecidas por Cristo e, com isso, pecamos. O primeiro passo é procurar a pessoa e lhe mostrar o erro (como Tiago ratificou). A última etapa é tratá-la como pagã ou publicana. E aí vem a pergunta: quem tem feito isso?
Recentemente fiquei tão, mas tão entristecido com os comentários de um pastor no facebook acerca de uma determinada senhora que ele enxerga como herege que quebrei minha postura pessoal de não entrar em controvérsias on-line: não me segurei e expus nos comentários – com o máximo de educação, respeito e afeto que consegui – que, se ele a considerava como desviada da verdade, deveria procurá-la em amor para apontar seus erros e tentar conduzi-la ao acerto. Perguntei ao referido pastor por que ele não tentava marcar um encontro com essa pessoa, já que a considerava herege, para dialogar com carinho e graça, expor suas discordâncias, ouvir pessoalmente a posição dela e tentar mostrar o que, na sua opinião, eram erros bíblicos – em outras palavras, por que não fazia o que a Escritura manda! A resposta veio na forma de uma evasiva: o pastor saiu pela tangente, dizendo que a tal pessoa era “inacessível para o diálogo” que eu propunha. Ou seja: um pastor, a priori um indivíduo vocacionado para cuidar de vidas e conduzi-las ao caminho da paz e da verdade, nunca nem ao menos cogitou procurar quem ele acusava de heresia, preferindo se restringir ao cômodo papel de partir para a acusação e a ofensa “apologética” no conforto do seu facebook. Como ele podia afirmar que aquela pessoa era “inacessível para o diálogo” se nem ao menos tinha tentado procurá-la para dialogar? E tanto a senhora que ele acusou de herege não era tão inacessível assim que, mal sabia aquele pastor, no dia seguinte eu tinha agendado um encontro com ela.
No que tange a cristãos que consideram outros cristãos hereges, não coaduno com essa apologética agressiva e que inverte a ordem das ações bíblicas. Me abate ficar lendo agressões e mais agressões, acusações sem fim, ataques de cristãos sinceros mas que não parecem compreender que a proposta do evangelho é conduzir à verdade os que estão na mentira. O evangelho fala de restauração e não de apedrejamento. É preciso sair de trás do computador e buscar diálogo com aqueles que se considera estar no erro. Meu irmã, minha irmã, erros existem. E, se surgem no seio da Igreja, precisamos corrigi-los, Aliás, devemos corrigi-los. Mas precisamos refletir sobre como isso deve ser feito. Temos de tratar quem erra com amor e graça, com a finalidade de reconduzir os errados ao que é justo e bom. Ficar detonando não resolve absolutamente nada. E digo isso cortando na própria carne, porque eu mesmo já fiz muito desse tipo de “apologética” no passado – portanto, falo na qualidade de quem cometeu o erro de que hoje discordo. Só que chegou um momento em que comecei a questionar a eficácia daquilo que eu estava fazendo, fui buscar na Bíblia respostas aos meus questionamentos e percebi que ficar “batendo em hereges” on-line não levava a nada. Eles não vão mudar por causa disso e quem os ama vai continuar amando. Assim, mudei minha maneira de agir. Sim: eu já fui um caçador virtual de hereges e já bati muito neles pela internet. Mas há bastante tempo mudei minhas atitudes, porque as palavras de Tiago e as do próprio Cristo me deram um soco no estômago e me mostraram que aquele caminho, no final das contas, era um beco sem saída. Era correr atrás do vento. E não era o que Jesus propunha.
Então fica aqui a minha proposta aos bem-intencionados apologetas da Internet: em vez de ficar numa eterna malhação por meio de postagens on-line, desafio você a procurar a pessoa que tanto critica e tentar dialogar com ela. Vá até a igreja em que ela congrega e converse com ela ao final do culto. Marque um gabinete. Tente marcar um encontro por telefone. Faça o que estiver ao seu alcance para sentar frente a frente com quem acusa e tentar “converter o pecador do seu caminho errado”. Exponha com carinho o que considera ser equívoco e proclame o que crê ser certo. Face a face, em amor. Se não der certo, não deu, mas, pelo menos, o seu primeiro passo foi dado corretamente. Se te barrarem, valeu a tentativa. Se não toparem agendar um encontro entre vocês, tente descobrir o e-mail do “herege” e escreva a ele. Ao correr atrás desse contato em busca de restauração, e não de apedrejamento, você estará deixando de lado o processo da Antiga Aliança, de pecado-punição, e abraçando a proposta da Nova Aliança de Jesus, de pecado-perdão-restauração. Se pulamos etapas, sem fazer algo prático pela restauração de quem acreditamos que se desviou da verdade, o que demonstramos não é graça; é ódio. E apologética com ódio não é apologética: é só ódio.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari