“Regras paternas, nunca mais!”, declara Calvin (da tirinha cômica Calvin e Haroldo), enquanto ele e Haroldo pomposamente rumam ao norte para serem mestres do seu destino na terra gelada de Yukon. “Nos livramos daqueles papa-figos crescidos!”.[1] A vida será majestosa, pensa Calvin, porque lá ele não terá de aturar – muito menos de honrar – seus pais.
Numa cultura que honra a juventude, “honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20.12a) não faz sentido algum. Honra não é algo que buscamos para nós mesmos? Então o que significa isso de honrar outros?
O culto da juventude
A nossa cultura tolerante tem tolerância zero para com o envelhecer, o que produziu um culto à juventude perpétua. Como resultado desse frenesi por parecer jovem, os norte-americanos gastam anualmente com procedimentos cosméticos o suficiente para alimentar e vestir cinquenta e quatro milhões de crianças famintas.
Honrando com devoção a superficialidade da aparência, nós olhamos com desejo para a juventude – e com desprezo para a velhice e a maturidade. Desesperadamente nos recusamos a crescer e a desistir das coisas próprias de menino (1 Coríntios 13.11b), assim, em vez de demonstrar honra para com os mais velhos, nós os desdenhamos.
Desonrar a maturidade, contudo, não é problema apenas da nossa cultura jovem obcecada pela imagem. Vendo semelhante tendência na Genebra do século XVI, João Calvino advertiu do seu leito de morte: “Que os jovens continuem a ser modestos, sem o desejo de se colocarem em evidência demais; pois há sempre um caráter jactancioso em pessoas jovens … que se apressam em desdenhar dos outros”.
De modo perverso, a nossa cultura transforma em virtude o “apressar-se em desdenhar dos outros”, especialmente dos pais. O professor Jared Diamond, da University of California, Los Angeles (UCLA), sustenta que, com a tecnologia e o acesso a inesgotável informação, nós não mais precisamos dos mais maduros como fonte de sabedoria.
Honrar a todos
Em seu âmago, o quinto mandamento se estende além da honra aos pais. Ele “exige a preservação da honra e o desempenho dos deveres pertencentes a cada um em suas diferentes condições e relações, como superiores, inferiores ou iguais” (Breve Catecismos de Westminster, P&R 64).
Encrustado no quinto mandamento está todo o nosso dever de amar o próximo como a nós mesmos – todos os nossos próximos.
Mas honrar é difícil; exige suspendermos o culto de nós mesmos, desistirmos da honra a qual imaginamos nos pertencer e entregarmo-la a outrem, nos deixarmos gastar pelo bem dos outros, nos levantarmos na presença do ancião (Levítico 19.32) e, por meio disso, honrarmos a Deus.
Honrar os desonrosos
Amantes incorrigíveis do ego, nós achamos difícil demais honrar os outros – na verdade, nós achamos impossível. Assim, nós procuramos uma escapatória. Muitos têm boas razões. Um jovem angustiado certa vez me perguntou: “Como eu deveria honrar meu pai depois do que ele fez à minha mãe?”. Era uma boa pergunta. Eu sabia o que seu pai havia feito. Ele havia fugido com outra mulher, restando à sua esposa grávida juntar os cacos do desastre doméstico criado pelo seu comportamento profundamente desonroso. Não obstante, Deus diz a esse homem para honrar o seu pai.
Os fariseus pensaram ter estabelecido definitivamente a cláusula de exceção quanto a honrar os pais. Eles haviam elaborado uma tradição segundo a qual, uma vez declarado que seus recursos eram uma oferta a Deus, eles estavam livres de guardar o quinto mandamento. Jesus expôs a fraude: “E, assim, invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa tradição. Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mateus 15.6-8).
Apenas corações que foram aproximados de Deus em Cristo podem verdadeiramente honrar pai e mãe, até mesmo pais que agiram de modo desonroso. Assim como “filhos, obedecei vossos pais” não inclui obedecer nenhuma ordem pecaminosa, também “honra teu pai” não inclui honrar o seu comportamento desonroso.
Claramente, se Pedro podia instar os crentes do primeiro século a honrarem a todos, inclusive o imperador Nero (1 Pedro 2.17), então a ordem de honrar os pais não é anulada pelo fato de ter um pai desonroso, do mesmo modo como a ordem de amar o nosso próximo não é anulada quando temos um vizinho que arremessa latas de cerveja por sobre nosso muro. As ordenanças de Deus ainda se aplicam num mundo quebrado de vizinhos imperfeitos e pais desonrosos; elas nos foram dadas pelo nosso gracioso Pai celeste como dons apropriados exatamente para este mundo.
Perfeita obediência é exigida
De modo singular, ao quinto mandamento está anexa uma perpétua consequência por se lhe obedecer: “para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá” (Êxodo 20.12b).
Vida longa – vida eterna. Inabalavelmente assegurada por nosso Irmão primogênito, cuja obediência ultrapassa aquela dos escribas e fariseus (Mateus 5.20), o qual é o único perfeito como o seu Pai celeste (5.48), o qual fez o que ninguém jamais foi capaz de fazer: cumprir perfeitamente todos os deveres exigidos na lei de Deus. Escolha o seu herói terreno; nenhum deles honrou perfeitamente os seus pais.
Exceto Jesus. Honrando a vontade de seu Pai, Cristo orou: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mateus 26.39). Desprezado na cruz, o Filho obedeceu e honrou perfeitamente o seu Pai – embora isso lhe tenha custado tudo.
“Honra teu pai e tua mãe”. Jesus o fez. Nele, nós podemos crescer diariamente na graça de honrar os nossos pais terrenos para a honra ainda maior do nosso Pai celestial.
Douglas Bond é chefe do departamento de inglês na Covenant High School em Tacoma, Washington, EUA, e um presbítero regente da Presbyterian Church of America (PCA). Ele é o autor de mais de vinte livrosGrace Works (And Ways We Think It Doesn’t) [sem tradução em português].
[1] N.T.: Papa-figo é uma figura do folclore brasileiro que chupa o sangue e come o fígado de crianças mentirosas. No original, Bill Watterson, autor da tirinha Calvin e Haroldo, usa a palavra ghoul, que, segundo a Wikipedia, descreve um monstro do folclore árabe presente em diversas histórias de ficção (por exemplo, em As crônicas de Nárnia).