Apesar de todas as diferenças que (corretamente) nos separam, nós temos muito em comum com o catolicismo romano. Roma afirma os grandes credos ecumênicos do primeiro milênio. Afirma a Trindade, assim como o nascimento virginal e a ressurreição de Cristo. Afirma que a Bíblia é a Palavra de Deus. Uma coisa que não temos em comum, todavia, são os Dez Mandamentos. Para deixar claro, as Bíblias católico romanas incluem Êxodo 20 e Deuteronômio 5. Mas Roma separa aquele que chamamos o décimo mandamento em dois, sendo o nono “Não cobiçarás a mulher do teu próximo” e o décimo, “Não cobiçarás os bens do teu próximo”. Contudo, Roma não termina com onze mandamentos, porque ela combina aqueles que consideramos ser o primeiro e o segundo.
A divisão do décimo mandamento, provavelmente, soa artificial e não-natural a qualquer leitor não enviesado. Dito isso, estou certo de que muitos protestantes têm apenas um entendimento obscuro da diferença entre o primeiro e o segundo mandamentos. O primeiro nos proíbe de termos outros deuses diante de Deus; o segundo proíbe a feitura de imagens esculpidas. Não são ambos simples ordenanças a que não adoremos falsos deuses e, em vez disso, adoremos apenas o Deus vivo e verdadeiro?
De modo algum. O primeiro mandamento, de modo mais do que suficiente, lança fora qualquer forma de adoração a qualquer outro além do Deus vivo. Se você faz isso por meio de imagens esculpidas não importa. O segundo mandamento explora uma questão diferente: ele proíbe a adoração ao Deus verdadeiro pelo uso de imagens.
Lembra-se de quando Arão fez o bezerro de ouro? Ele disse isto: “São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito” (Êxodo 32.4). Ele não disse ao povo: “Vocês sabem de Javé, o Deus com quem Moisés teve um encontro, aquele que pensávamos ter nos libertado da escravidão e aberto o Mar Vermelho? Acontece que não foi ele quem fez nada disso, antes, foi uma divindade diferente, esta aqui”. De fato, no versículo seguinte, nós lemos que Arão na verdade disse: “Amanhã, será festa ao SENHOR”. O bezerro de ouro era menos uma violação do primeiro mandamento e mais uma violação do segundo.
Nós chegamos à mesma distinção ao considerarmos as nossas próprias inclinações. Uma vez que a maioria de nós ocidentais, crentes ou não, não somos dados a nos inclinar perante estátuas, podemos ser tentados a pensar que a idolatria ficou para trás. Mas, em nossos momentos mais honestos, nós reconhecemos que temos construído os nossos próprios deuses das coisas que mais desejamos; para alguns, dinheiro, para outros, reputação, e assim por diante. Tudo isso é verdade. Mas, de novo, isso é mais um problema do primeiro mandamento do que um problema do segundo mandamento.
Considerando, então, que não somos tão inclinados a nos curvar perante estátuas, incluindo estátuas designadas para representar o Deus vivo e verdadeiro, isso significa que nós superamos o segundo mandamento? De modo algum. Quebramos o segundo mandamento quando buscamos adorar o verdadeiro Deus por meio de imagens, incluindo imagens construídas em nossas próprias mentes. (Lembre-se de que poucas pessoas, se é que alguma, de fato creram que o deus por elas construído era um deus verdadeiro. Mesmo as sociedades mais primitivas viam estátuas e imagens como auxílios para a adoração, ferramentas pelas quais um deus real recebia adoração, não como os próprios deuses.)
Nossos vizinhos incrédulos, com frequência, são chocantemente honestos sobre sua própria idolatria. Com efeito, a maioria deles deu um nome ao deus o qual creem existir e adora esse deus por meio de uma imagem que construíram. Eles chamam o seu deus de “Deus-para-mim”. Você certamente já ouviu gente dizendo: “Bem, Deus-para-mim é como uma força amorosa que me envolve” ou “Deus-para-mim deseja que eu faça o que achar melhor”. Não deveria nos surpreender que o molde de Deus-para-mim, a forma a qual buscamos copiar ao construí-lo, somos nós mesmos. De fato, se nossos vizinhos incrédulos fossem apenas um pouco mais honestos, eles confessariam que o nome do seu deus é “Deus-sou-eu”.
Os Dez Mandamentos, embora sejam universalmente obrigatórios, foram dados primariamente ao povo pactual de Deus. E Deus nunca desperdiça seu fôlego. Se o povo de Deus, então, precisava ser alertado contra a idolatria, pode apostar que é porque nós idolatramos também. Às vezes, a nossa idolatria aparece em nossos debates teológicos. Quantas vezes você ouviu alguém dizer (ou você mesmo o disse): “Eu jamais poderia adorar um deus que…”? Se o que vem em seguida for algo que de fato descreva o Deus da Bíblia, então essa é uma confissão de que eu jamais poderia adorar o verdadeiro Deus. Quando dizemos: “Eu prefiro enfatizar o Deus mais gentil do Novo Testamento”, estamos cometendo idolatria (e nos esquecendo de que Deus matou só um homem inocente uma única vez, e foi no Novo Testamento). Nós temos “Deuses-para-mim” demais até mesmo na igreja evangélica.
O segundo mandamento ordena que adoremos a Deus como ele é e que o façamos como ele ordenou. Quando meu pai era um jovem seminarista, ele escreveu um cartão o qual pôs em sua escrivaninha. “O seu dever”, dizia o cartão, “é crer e pregar o que a Bíblia diz, não o que você gostaria que ela dissesse”. O segundo mandamento nos diz que o nosso dever é crer, aprender, amar e adorar o Deus que é, não o deus que gostaríamos que ele fosse.