Nós normalmente nos categorizamos entre racionais e emotivos. O racional está mais propenso a tomar decisões e agir baseado no conhecimento, enquanto o emotivo, na emoção. Quando se trata dos assuntos da fé, o racional enfatiza o que sabemos sobre a palavra de Deus, e o emotivo o que sentimos ou experimentamos em nossa fé. Parece ser uma escolha mutuamente exclusiva; mente ou coração.
Entretanto, há um lugar na Escritura onde a mente e o coração se encontram, onde os pensamentos e sentimentos se juntam: os Salmos de Lamento. E nos lamentos vemos que, embora a mente e o coração sejam importantes, há tempos em que um precisa liderar o outro.
Salmo 42
Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus? As minhas lágrimas têm sido o meu alimento dia e noite, enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está? Lembro-me destas coisas – e dentro de mim se me derrama a alma -, de como passava eu com a multidão de povo e os guiava em procissão à Casa de Deus, entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa. Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu. Sinto abatida dentro de mim a minha alma; lembro-me, portanto, de ti, nas terras do Jordão, e no monte Hermom, e no outeiro de Mizar. Um abismo chama outro abismo, ao fragor das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas passaram sobre mim. Contudo, o SENHOR, durante o dia, me concede a sua misericórdia, e à noite comigo está o seu cântico, uma oração ao Deus da minha vida. Digo a Deus, minha rocha: por que te olvidaste de mim? Por que hei de andar eu lamentando sob a opressão dos meus inimigos? Esmigalham-se-me os ossos, quando os meus adversários me insultam, dizendo e dizendo: O teu Deus, onde está? Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu.
No Salmo 42, o salmista está distante do templo, o lugar da presença de Deus. Ele clama em lamento porque seus inimigos o oprimem e o mantêm afastado da adoração em Jerusalém. “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus? As minhas lágrimas têm sido o meu alimento dia e noite, enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está?”
O salmista está desesperado. Ele verbaliza suas emoções a Deus, dizendo como se sente, “Sinto abatida dentro de mim a minha alma” Ele faz a Deus a pergunta que todos nós fazemos quando as circunstâncias se infiltram em nossa vida, “por que?” – “Digo a Deus, minha rocha: por que te olvidaste de mim? Por que hei de andar eu lamentando sob a opressão dos meus inimigos?”
Mas ele não para aqui. Ele não clama a Deus em pesar, simplesmente, e deixa por isso. Não é só um exercício de catarse. Em meio a seu lamento, o salmista verbaliza a verdade sobre quem Deus é. Quando ele clama na tribulação, ele se refere a Deus como sua “rocha”. Ele fala sobre a misericórdia de Deus, “o SENHOR, durante o dia, me concede a sua misericórdia, e à noite comigo está o seu cântico, uma oração ao Deus da minha vida”.
Ele também confronta suas emoções a falar consigo mesmo. Duas vezes o salmista questiona seu estado emocional e lembra a si mesmo da verdade, “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu”. É aqui que a mente e o coração se encontram. É aqui que o salmista aplica o que ele sabe ser verdade sobre Deus ao seu coração. Deus é seu salvador. Deus é sua esperança. Deus é o seu Deus.
Onde a mente e o coração se encontram
É fácil, quando lemos os lamentos da Escritura, focarmos na expressão da emoção. Nós conseguimos nos relacionar com isso. A prosa é vívida e afiada, descrevendo nossa própria dor como se estivéssemos olhando nosso coração em um espelho. Talvez seja por isso que sejamos atraídos aos Salmos quando nossa vida está um redemoinho de caos, dor e medo paralisante.
Mas os lamentos nos mostram muito mais. Eles nos mostram não apenas que devemos ir a Deus como nossos medos e temores, mas que também precisamos nos lembrar de quem Deus é e o que ele já fez. No Salmo 42, o que o salmista sabia sobre Deus inundava seu coração, moldando suas emoções conforme a verdade. A verdade que ele aplica ao seu coração o move a um lugar de confiança – “pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu”. Essa é a lição dos lamentos para todos nós.
No meu livro Um coração liberto – uma jornada de esperança pelos Salmos de lamento escrevi:
Muitas vezes permitimos que nossas emoções nos levem e tomem conta de nossas mentes. Os lamentos nos mostram que tanto a mente quanto o coração podem se encontrar. Eles nos mostram que a verdade da Palavra de Deus que temos guardado em nossas mentes podem levar o coração a se regozijar nessas verdades… É aqui que a nossa teologia e o que sabemos sobre Deus, a partir de sua Palavra, aparecem… O que aprendemos sobre Deus, na Escritura, sobre quem ele é, o que ele fez e quem somos à luz de tudo isso é a fundação da nossa fé. É a âncora que nos mantém quando as tempestades da vida assolam nossas vidas. É a luz que nos guia e nos dirige na escuridão das nossas circunstâncias. Quando nossas emoções nos levam a um passeio de montanha-russa, nossa teologia é o horizonte estável que nos mantém no lugar.
Tanto nossos pensamentos quanto nossas emoções são importantes, pois somos seres que pensam e que sentem. Mas nossas emoções nem sempre falam a verdade; às vezes elas exageram ou nos confundem. Entretanto, não precisamos ignorá-las completamente. Ao invés disso, como os lamentos nos mostram, precisamos trazer essas emoções ao nosso Pai que está no céu e, ao fazê-lo, precisamos nos lembrar da verdade de quem ele é: nossa rocha, nosso salvador e nossa esperança.