Nessa nova série do VE você será apresentado à vida e obra de Edwards, e assim como ele, irá se maravilhava com a beleza da obra de Deus na criação e no meio do seu povo.
Hoje veremos a quarta aula da série, “A Sua Grande Ideia”:
No texto anterior falei sobre o crente insensível ao pecado que habita em abundância nossas igrejas. Agora, no segundo texto da série, desejo falar sobre o o crente “cult” à luz de Ap. 2.1-7.
Antes de tudo, creio ser importante deixar claro o que quero dizer por crente “cult”. Uso esse termo para definir aquela pessoa que, para “ficar bem com todo mundo”, relativiza a verdade. O meu objetivo é mostrar que a origem desse pensamento está no coração do homem, mostrar o quanto o relativismo é destrutivo para a igreja e sociedade e apresentar uma sugestão de como podemos combate-lo.
Contexto histórico
O texto que veremos hoje é uma carta de Cristo à igreja em Éfeso. Considero relevante apresentar um pouco do contexto histórico da cidade e igreja para que tenhamos uma melhor compreensão da passagem.
Segundo o Rev. Hernandes Dias Lopes¹ a cidade de Éfeso era a maior, mais rica e importante cidade da Ásia Menor. Lá havia um teatro com capacidade para mais de 24 mil pessoas, o mais importante porto turístico da região e o templo da deusa Diana (ou Ártemis), que era uma das sete maravilhas do mundo antigo. Éfeso era, portanto, uma cidade grande e muito importante. Porém, o Rev. Hernandes também acrescenta que ela era uma cidade imoral, mística, cheia de superstição e idolatria.
A igreja de Éfeso, por sua vez, era diferente. Os crentes se mantiveram puros na doutrina apostólica, não cedendo às diversas falsas mensagens que surgiam na época, em especial o ensino herético dos Nicolaítas.
Até mesmo por conta da discrepância entre a cultura da cidade, extremamente idólatra, e a cultura da igreja, essencialmente cristã, os crentes sofriam perseguição. Todavia, como o próprio Cristo ressalta, a igreja se mantinha fiel à doutrina e, por consequência, mantinha uma moral cristã.
Análise bíblica
“Ao anjo da igreja em Éfeso escreva: Estas são as palavras daquele que tem as sete estrelas em sua mão direita e anda entre os sete candelabros de ouro. Conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos mas não são, e descobriu que eles eram impostores. Você tem perseverado e suportado sofrimentos por causa do meu nome, e não tem desfalecido. Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro amor. Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio. Se não se arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro do seu lugar. Mas há uma coisa a seu favor: você odeia as práticas dos nicolaítas, como eu também as odeio. Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vencedor darei o direito de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus.” Apocalipse 2:1-7 (NVI).
Agora que já vimos um pouco do contexto histórico podemos entender o texto com maior facilidade. Como em todas as demais cartas, Cristo se apresenta e afirma que Ele conhece as obras da igreja. Todavia, diferentemente do que acontece na carta à Laodicéia, Cristo faz alguns elogios. Ele elogia a perseverança, as obras e o trabalho árduo da igreja que, como mencionei acima, sofria diversos ataques no campo doutrinário e moral, mas se mantinha firme.
O elogio à firmeza doutrinária e ao trabalho árduo me leva a um paralelo entre a igreja de Éfeso e as igrejas históricas brasileiras. Em primeiro lugar, a doutrina histórica é mantida, mesmo sob constantes ataques. É verdade que já evidenciamos uma considerável perda nesse quesito, mas, no geral, o escopo doutrinário ainda resiste. Além disso, o trabalho assistencial da igreja é mantido, muito por conta de sua organização que permite o sustento de asilos, orfanatos, hospitais, escolas e etc. Assim, ela consegue ser relevante no campo moral e social da sociedade, papel que exerce há anos.
Porém, se tem observado nos últimos anos um déficit no conhecimento bíblico dos crentes dessas igrejas. Aos poucos a Bíblia foi sendo largada de lado para dar lugar a “estratégias” de gestão que visavam solucionar o problema da falta de crescimento delas. Programações “atrativas” precisaram ser pensadas para as diferentes faixas etárias, a pregação bíblica histórica foi sendo levemente substituída pelo mundo paralelo da teologia carismática e a escola bíblica dominical, que para mim deve ser uma prioridade em qualquer igreja, foi constantemente reduzida e, em alguns casos, até mesmo eliminada. Isso tudo resultou na atração de pessoas que estavam mais interessadas nas coisas que podem obter de Deus do que no próprio Deus em si. Elas iam à igreja porque a programação era “legal”, porque a pregação não era “muito pesada” e porque muitas vezes era pregado somente o que o povo queria ouvir e não aquilo que ele tinha de ouvir.
Retornando a Éfeso vemos que apesar dos elogios, Cristo deixa uma crítica. Segundo ele a igreja abandonara “o seu primeiro amor” e, por conta disso, precisaria se arrepender e se converter. Há quem diga que essa expressão se refira ao amor sacrificial entre os santos e quem defenda que ela se refira à relação entre a igreja e Cristo. Seja como for, identifico aqui um problema no coração da igreja, i.e., um problema no mais íntimo recanto do homem, no seu interior. É como se o desejo de agradar a Deus com suas ações, dedicar suas vidas a Ele, o buscar em oração e se deleitar na sua palavra estivesse aos poucos perdendo espaço no coração dos crentes de Éfeso.
Essa crítica é relevante para nós hoje porque eu acredito que a igreja brasileira tem vivenciado o mesmo problema e a evidência disso é a busca de soluções humanas, como citei acima, para corrigir um problema espiritual, a falta de crescimento. Ao invés de se arrepender e voltar ao “ponto de onde parou”, ela abraçou a ideia de que o evangelho por si só não era mais suficiente e, por isso, estratégias de marketing deveriam tomar o seu lugar. Abandonou-se a concepção de que o verdadeiro mover do Espírito de Deus se dá por meio da pregação do Cristo crucificado, do ensino da palavra e da transformação real de vidas. Aparentemente, pregar a respeito do Cristo e da verdade da cruz perdeu o seu efeito e Deus precisou de um “empurrãozinho” humano, uma adaptação da verdade para os dias de hoje para que as igrejas voltassem a ficar cheias. Mas, se estava pensando em igrejas cheias de gente e não cheias do Espírito; se estava idolatrando um crescimento numérico ao invés de haver preocupação com o crescimento espiritual. Como consequência tivemos um crescimento numérico inicial acompanhado de uma devastação no campo espiritual, doutrinário e moral.
Vemos, portanto, que a relativização da verdade bíblica visando o enchimento numérico das igrejas é um sintoma do problema no coração da igreja. Na verdade, o abandono do “primeiro amor” e o abandono da doutrina bíblica geralmente caminham lado a lado. E quando se entra por esse caminho, a menos que Deus intervenha, um futuro sombrio é aguardado.
Ao olhar para a carta de Éfeso vejo Cristo preocupado com o futuro da igreja porque ele enxergava o problema em seu coração, que, eventualmente, levaria a problemas maiores. É como se esse fosse o aviso: “vocês ainda conservam a doutrina e resistem a cultura idólatra que bate incessantemente as suas portas. Todavia o seu coração está afetado, vocês abandonaram o seu primeiro amor. E isso pode os levar a uma relativização doutrinaria e, por fim, a uma relativização moral de maneira que tanto a virtude de se conservar fiel à doutrina apostólica quanto a virtude de resistir à cultura idólatra se perderão”.
Vimos, então, como o problema no coração afeta a igreja, mas qual é a relação disso com a sociedade? Bom, é importante lembrar que há uma relação entre o coração do homem, o conhecimento bíblico e a sua cultura, i.e., a forma como o homem interage com o mundo secular. Há quem diga que o cristão deva viver completamente isolado da sociedade ou que exista uma separação entre o lado cristão e o lado cidadão do indivíduo. Eu, entretanto, tenho imensa dificuldade em separar a santidade cristã das demais esferas da vida. Para mim o cristão que ora, lê a Bíblia e é transformado pelo Espírito Santo diariamente influenciará todos ao seu redor, não somente a sua igreja. Para mim não é possível que alguém busque a santidade e não evidencie igualmente os frutos na igreja, no trabalho, no casamento e nas atividades sociais. Não acho possível separar um indivíduo em dois: um que seja santo para os assuntos relacionados à religião e outro que seja carnal para os assuntos seculares. O indivíduo é um só e, se ele é santo, ele é santo nas duas esferas. Henry Van Til defende que na visão calvinista o homem não pode distanciar o seu chamado para ser santo (1 Pe 1.14-16) do seu chamado para governar a terra (Gn 1.27-30).² A famosa frase de A. Kuyper apresenta esse conceito de forma brilhante: “Não há nem um centímetro em toda a área da existência humana da qual Cristo, o soberano de tudo, não proclame: ‘Isso é meu’”. Em outras palavras, a nossa santidade nos influencia como um todo e, por isso, naturalmente deve influenciar a maneira que nos relacionamos com o mundo secular, a nossa cultura.
Então, quando olhamos para a cultura brasileira, recheada de imoralidade, chegamos a conclusão de que a maioria de seus constituintes não pode ser cristã. O paradoxo é que as “igrejas evangélicas” se multiplicam país a fora e já vi duas ou três pesquisas afirmando que em pouco tempo a nação brasileira terá maioria cristã. Como assim “maioria cristã”? Há algo de errado nisso e, a meu ver, o que resolve essa equação são os crentes “cult”, frutos do problema no coração da igreja.
A presença deles em nosso meio é para mim um sinal de que a igreja nacional está num estágio mais avançado do que a igreja de Éfeso, no que se refere a “abandonar o seu primeiro amor”. É compreensível que os indivíduos carnais apresentem o tal problema no coração, mas quando isso chega dentro da igreja é um sinal de que estamos em maus lençóis. Por exemplo, temos no meio cristão pessoas que defendem o sexo livre, o aborto, o comunismo, o uso de drogas, a completa destituição da autoridade paternal, a destruição da família e o relacionamento homossexual. Todas essas pautas são claramente anti-bíblicas e, por lógica simples, não faz sentido um cristão defende-las, a menos que haja algum problema no coração e/ou no ensino doutrinário da igreja (como vimos esses dois caminham lado a lado).
Para compreendermos melhor esse problema, precisamos olhar para a forma como vemos o mundo, a nossa cosmovisão. A cultura ocidental hoje não tem mais uma cosmovisão cristã. Pelo contrário, ela enxerga o mundo sob a ótica da completa inexistência de uma verdade objetiva no universo, o que John Piper define como Relativismo. Segundo ele a essência do pensamento relativista é que nenhum padrão de verdadeiro e falso, certo e errado, bom e mau, ou belo e feio pode ser válido para todos.³ E isso, obviamente, afasta completamente a ideia de que Deus é a verdade objetiva do universo, que podemos conhecer sua vontade santa através de sua palavra e que sua vontade deve ser o padrão de nossas vidas, inclusive na moral. É por isso que nos dias de hoje ideias como “cada um tem a sua verdade” são tão fortes a ponto de fazer alguém que defenda que “a tua Palavra é a verdade” (Jo 17.17) ser visto como totalitário, fundamentalista religioso ou fascista.
Eu sei que fui bem longe nesse texto, então, me permita resumir o que disse até aqui. Minha afirmação é que nós enfrentamos tantos problemas morais no Brasil porque há um problema no coração, i.e., no cerne, na raiz da sociedade e da igreja. Esse problema afeta a nossa cultura, i.e., a maneira como interagimos com o mundo secular. Agora vem o agravante: buscamos abraçar o máximo possível o relativismo para fugirmos do confronto e das acusações. Com medo de afirmar que a palavra de Deus é a verdade, que nos guiamos por ela e que ela se opõe às demandas mundanas nós nos tornamos “cult” e relativizamos a Palavra. Preferimos agradar a todos ao invés de agradar a Deus.
Por isso, concluo essa análise dizendo que o pensamento do crente “cult”, que deseja ser bem-visto por todos e para isso negocia fácil e abertamente a verdade, é um mal, fruto de um problema no coração da igreja, que precisa ser combatido com urgência. Precisamos abandonar o relativismo e novamente reconhecer que somos santificados pela palavra de Deus que é A verdade (Jo 17.17). Mas para isso é preciso que voltemos ao primeiro amor, que nos lembremos de onde caímos, nos arrependamos e voltemos a praticar as primeiras obras.
Aplicação e Conclusão
Mas como podemos fazer isso? Em primeiro lugar é preciso ter em mente que essa ação não é nossa, mas do Espírito de Deus. É ele quem nos convence do nosso pecado e quem nos guia no processo de santificação. Entretanto, isso não significa que não possamos fazer alguma coisa. A nossa parte é criar uma disciplina de oração e leitura bíblica. Se assim fizermos podemos confiar que Deus cumprirá a promessa de nos dar um só coração e um só caminho para que o temamos (Jr 32.39).
Entrando, em termos práticos, deixo algumas sugestões para te ajudar a fazer isso: em primeiro lugar, tenha sempre um lápis e um caderno de anotações com você quando for estudar a Bíblia. Faça a interpretação do texto, escrevendo o que você entendeu da passagem e, ao final, escrevendo como ela se aplica a sua vida. Em segundo lugar, não foque na leitura de somente um dos testamentos. O que para mim funciona melhor é alternar as leituras entre o novo e o antigo testamentos. Em terceiro lugar, adquira materiais de apoio como Bíblias de estudo, por exemplo a Bíblia de Genebra; livros devocionais, por exemplo a série lançado pelo Rev. John Stott nos anos 90; e comentários sobre livros específicos da Bíblia, como os famosos comentários de João Calvino. Em quarto lugar, priorize a qualidade ao invés da quantidade. Evite aqueles programinhas de ler a Bíblia inteira em 3 ou 6 meses, pois é muito melhor que você leve 2 anos, mas absorva o conteúdo e seja transformado por ele do que ler a Bíblia rápido e não entender nada. Em quinto lugar, tenha uma vida de oração regular e peça a Deus para te ajudar a combater o relativismo.
Por fim, há mais uma coisa que você pode fazer para deixar de ser um crente “cult”. E é bem simples: não tenha medo de defender os valores cristãos; não se preocupe em agradar as pessoas ao seu redor, mas se preocupe em agradar tão somente a Deus. Ainda, se você se deparar com um crente “cult” não permita que o relativismo dele seja ouvido sozinho. Apresente a verdade objetiva da Bíblia e faça a sua parte. Precisamos voltar ao evangelho e pedir a Deus que solucione o problema de nossos corações, mas precisamos também fazer o nosso papel e batalhar contra o relativismo que tenta se apossar da igreja.
Que Deus nos abençoe!
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Referências
1. Hernandes Dias Lopes. Ouça o que o Espírito diz às igrejas, 2010. Editora Hagnos.
2. Henry R. Van Til. O conceito calvinista de cultura, 2010. Editora Cultura Cristã.
3. John Piper. Think. The life of the mind and the love of God, 2010. Editora Inter-varsity press.
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Divulgação: Bereianos
Nessa nova série do VE você será apresentado à vida e obra de Edwards, e assim como ele, irá se maravilhava com a beleza da obra de Deus na criação e no meio do seu povo.
Hoje veremos a quarta aula da série, “A Sua Grande Ideia”:
Clique e conheça um vasto repertório de livros e artigos sobre este grande teólogo.
Por: Stephen J. Nichols. © 2015 Ministério Fiel. Original: Jonathan Edwards: A Sua Grande Ideia (4/6).
Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que informe o autor, seu ministério e o tradutor, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.
Em 1955, André, um jovem holandês assumiu o risco de dizer “sim” para Deus. Ele aceitou seu chamado de “fortalecer o que resta e que está para morrer”. Há 60 anos, a Portas Abertas trabalha para fortalecer os cristãos perseguidos e hoje atua em mais de 60 países ao redor do mundo. Saiba mais: https://www.portasabertas.org.br/
Canal Portas Abertas: http://www.youtube.com/watch?v=e4Sn8ZMTNqc
Por João Rodrigo Weronka
A caminhada cristã não é fácil. É interessante que na medida em que os anos passam, vamos descobrindo que nem todas as coisas na vida são tão simples e divertidas como pensávamos quando éramos crianças. Na jornada cristã este movimento não é muito diferente. Nem tudo é doce e brilhante como aparenta e nem só de dias ensolarados se faz a vida. Mas nas adversidades (e diante das nuvens) podemos enxergar a graça de Deus e seu zelo, aprender muito com aquilo que se opõem e descobrir o que realmente tem – ou deveria ser reconhecido como tendo – valor para nossas vidas.
O livro de Atos dos Apóstolos apresenta diversos episódios cuja fé dos cristãos em geral e dos apóstolos em específico eram moldadas pelas adversidades. Neste estudo vamos nos ater ao relato de At 16.12-40. Paulo e Silas estavam em Missão conforme textos anteriores (junto com Lucas e Timóteo) e alguns fatos anteriores mostram conversões acontecendo, através da pregação do Evangelho e pela obra do Santo Espírito (At 16.13-15). Deus estava com seus servos assim como permanece com os Seus nos dias de hoje. Talvez para muitos a sequencia de fatos que foram se desenrolando podem soar como injustas para quem estava tão somente fazendo a obra de Deus. Vejamos.
A falsa religião como fonte de lucro
Passando pela maravilhosa experiência de compartilhar o Evangelho e ver corações – como o de Lídia, v.14 – se prostrando ao Senhor, encontramos mais uma vez a forma impressionante como a religiosidade pode engordar os bolsos de líderes nefastos. Tal prática não nasceu ontem, ela está enraizada na humanidade como um culto paralelo cujo fim é a riqueza e o bem-estar momentâneo. Enquanto Paulo e Silas avançavam na pregação do Evangelho e na comunhão com os novos crentes, uma jovem possessa “que tinha um espírito adivinhador” os seguia gritando uma suposta glorificação ao nome de Deus (v.17), porém tal glória era falsa e tal jovem servia tão somente como fonte de lucro aos seus senhores. A jovem estava possessa por um espírito mau e era explorada por seus senhores.
Outras passagens nos mostram – ainda em Atos – a luta da Igreja contra estas investidas. Veja por exemplo Pedro contra Simão em At 8.14 e Paulo com Bar-Jesus em At 13.4. No caso de Simão, seu ato pecaminoso passou a nomear a prática de aferir lucro no comércio das coisas sagradas: “Simonia”. Pela narrativa da história da igreja encontra-se na obra “Apologia” de Justino Mártir – datada de 150 a.D. que posteriormente Simão passou a ser seguido por muitos e se autodenominava como “Manifestação do Deus Supremo”.
Segundo os versículos de At 16.16-19 diante de uma perturbação diária gerada pela jovem possessa, pois poderia com sua “glorificação” levar as pessoas a desacreditar o Evangelho, associando-o ao ocultismo [1], Paulo se aborreceu e ordenou que o espírito saísse da jovem, ao que pela ordem e sujeito ao nome de Jesus tal espírito foi expulso. Deus foi verdadeiramente glorificado, enquanto a fonte de lucro de homens perversos secou. Não houve júbilo a estes homens, mas tal decepção que denunciaram Paulo e Silas às autoridades, e em praça pública foram acusados e espancados sem chances de defesa.
Muitos de nós se indignariam diante de Deus com perguntas do tipo “Por que? Qual o motivo, oh Deus!”. Paulo e Silas estavam fazendo a obra de Deus e ainda assim foram injustamente condenados.
A Verdade não trouxe alegria aos ímpios. Muito tem a ensinar o texto de At 16.20-24. Por mais que a jovem estivesse livre, o que realmente interessava era o lucro perdido. Além disso, aprendemos que todo aquele que defende a fé cristã e está comprometido com o Evangelho deve estar atento, em alerta constante em relação às amizades falsas e interesseiras, pois para muitos a glorificação da jovem poderia inflar o ego do pregador quando na verdade visava desviar o culto. E ainda: estar preparado para ferrenha oposição e “revolta dos magistrados” que declaram guerra contra Paulo e Silas.
Paulo cura a menina; no entanto, o bem, em vez de trazer-lhe glória e gratidão, trouxe-lhe açoitamento e prisão. Há um dito popular que diz: ‘Não há mal que não traga algum bem’. Talvez também devêssemos dizer o oposto: ‘Não há bem que não traga algum mal’. Talvez isso seja um tanto exagerado, mas, com frequência, é verdade. Vivemos em um mundo caído que, por essa razão, é dominado pelas estruturas do pecado. Por isso, quando nos opomos ao pecado, estamos nos opondo aos interesses de alguém. Paulo cura a menina; mas ao fazer isso, ele prejudica os interesses econômicos dos donos dela, que, portanto, acusam-no e conseguem que seja açoitado e preso. [2]
Um costume maligno foi destronado e a fé dos servos de Deus estava posta a prova.
Um exemplo de como se portar diante da adversidade e o milagre da salvação
Não vamos nos ater a pensar no que a maioria faria diante de tudo que estava sobrevindo naquele momento de humilhação. Vamos focar nosso olhar para o exemplo de Paulo e Silas. Trancafiados injustamente, acoitados, pés presos ao tronco, entoavam louvor a Deus orando e cantando hinos. Deus respondeu rompendo as cadeias e colocando o injustiçado em liberdade.
Interessante que a resposta de Deus não era um fim em si própria, mas um meio de fazer um obra ainda maior e trazer glória ao nome dEle!
A liberdade que Deus proporcionou aos Seus servos foi o bálsamo em relação ao injusto castigo que lhes foi afligido sem a menor possibilidade de defesa.
Diante de tantos feitos maravilhosos e miraculosos, o maior dos milagres chega à casa do carcereiro. Aquele que estava outrora separado e apartado pode se achegar à graça salvadora de Jesus: “Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?” pergunta este homem no verso 30. Perceba que somente àquele cujo Espírito de Deus colocou a consciência de perda e condenação pode clamar para ser salvo. Somente o perdido pode clamar pela salvação.
Naquela mesma noite não somente o carcereiro como todos os seus foram alcançados. Era Deus – ao Seu tempo – produzindo o bem das circunstâncias que apenas registravam o mal e a injustiça.
Não há nada de mágico neste contexto e neste versículo em específico (“Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” Atos 16:31) uma vez que a salvação de um indivíduo não depende da crença de outrem. Foi pela ação de Deus e pelo poder de Sua palavra que o Evangelho pregado alcançou morada e a contemplação da misericórdia divina.
Concluindo
Depois de toda a luta enfrentada, mesmo fazendo aquilo que estava certo e que era para Deus e Seu Reino, ainda que diante da injustiça dos homens, Paulo e Silas não esmoreceram na fé. Pelo contrário, houve ainda tempo de retornarem aos irmãos recém-convertidos e os encorajarem. Deus deu a estes homens a oportunidade de ver o fruto de seu trabalho:
Esta é nossa luta constante. Ainda que sob o céu nublado das adversidades é possível ver a graça de Deus presente, e ainda que tudo possa parecer desfavorável, o Senhor pode fazer daquilo que é mal, o bem. Confiança é algo que se constrói na certeza de estarmos com Deus em nosso dia-a-dia, e mesmo que tudo pareça difícil, sempre haverá oportunidade para consolar e encorajar o próximo, ainda que muitas adversidades nos possam parecer injustas.
Vamos prosseguir, sempre olhando para o Alvo!
NOTAS
[1] STOTT, John R.W. A Mensagem de Atos. ABU Editora. São Paulo: 1994. p. 298
[2] GONZÁLEZ, Justo. Atos. Hagnos. São Paulo: 2011. p.232
Fonte: NAPEC
A igreja Batista Redenção tem um canal com série que explica versículos frequentemente incompreendidos que consequentemente são pregados equivocadamente.
Vale a pena observar, aprender e comparar com o que você já sabe. Tire suas duvidas sobre “raiz de amargura” assistindo o video abaixo:
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Via Internautas cristãos
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Divulgação Pulpito Cristão
Nessa nova série do VE você será apresentado à vida e obra de Edwards, e assim como ele, irá se maravilhava com a beleza da obra de Deus na criação e no meio do seu povo.
Hoje veremos a quinta aula da série, “O Conflito em Northampton”:
clique no link abaixo para ver o vídeo
http://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/06/jonathan-edwards-o-conflito-em-northampton-56/
Clique e conheça um vasto repertório de livros e artigos sobre este grande teólogo.
Por: Stephen J. Nichols. © 2015 Ministério Fiel. Original: Jonathan Edwards: O Conflito em Northampton (5/6).
Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que informe o autor, seu ministério e o tradutor, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.
Por Mark Jones
Ouvir os parentes daqueles que foram impiedosamente mortos na igreja de Charleston foi uma oportunidade de testemunhar uma das melhores teologias que você verá em sua vida. Eu somente espero que, se algum dia enfrentar uma situação semelhante, possa reagir pelo menos a metade de quão bem aquelas pessoas reagiram ao falar com Dylan Roof.
Bastante surpreendentemente, contudo, alguns aproveitaram para achar falhas na forma como os parentes ofereceram perdão ao assassino porque eles disserem as palavras “eu perdoo você” sem qualificar suas palavras.
Baseado em Lucas 17.3-5, o argumento diz que eles não podem dizer “Eu te perdoo”. Por quê? Porque não há arrependimento. Para o perdão acontecer, deve haver arrependimento. Incidentalmente, eu realmente ouvi um dos parentes instando para que Dylan Roof buscasse arrependimento para que ele pudesse estar melhor do que ele está agora.
Eu firmemente creio que precisamos ser precisos em nossa teologia. Hereges e heróis da fé frequentemente têm discordado sobre importantes doutrinas baseados em uma letra de uma palavra (homoousios vs. homoiousios).
É fácil para o “teólogo” selecionar as palavras deles e argumentar que verdadeiro perdão sempre envolve arrependimento e, portanto, leva a restauração. Afinal, nós devemos perdoar uns aos outros de acordo com a maneira que Deus em Cristo nos perdoou (Ef 4.32). Mas eu temo que tal atitude é do tipo que tem mais em comum com alguém assentado em uma torre de marfim que alguém que entende o luto.
Eu ainda mantenho que o que testemunhei nos parentes das vítimas foi teologia em ação que deveria nos humilhar até o íntimo do nosso ser.
Nós estamos todos cientes, eu acredito, que todos os pecados são cometidos contra Deus. Portanto, ninguém pode perdoar pecados da maneira que Deus perdoa. Ele tem uma autoridade particular que nós não temos. Todos os pecados são cometidos contra Deus, imediatamente ou não. Às vezes, o próximo é o meio, mas o pecado ainda é contra Deus. Por que isso é importante? Porque se nós perdoamos nosso próximo, isso não se relaciona com a culpa de seu pecado, mas ao dano que foi feito contra nós.
Assim, quando os familiares dos mortos “perdoaram” Dylan Roof, não estamos forçados a examinar seu perdão e, então, argumentar que eles não têm direito de fazê-lo porque não há arrependimento do Sr. Roof. Pelo contrário, nós devemos entender a oferta de perdão como baseada no dano que foi feito a eles por causa da perda que eles experimentaram.
De fato, eles não estão contando ao Sr. Roof que ele agora está justificado diante de Deus. Eles estão dizendo: você nos prejudicou e nos feriu; e nós perdoamos você por esse mal.
Eu notei que uma pessoa no Twitter sugeriu que os familiares poderiam ter dito isto:
“Eu não tenho a autoridade para perdoá-lo por assassinato. Somente Deus tem. Arrependa-se e volte-se para Jesus como Senhor e Salvador. Da minha parte, eu oro por sua conversão, e por justiça, e se você confessar e pedir isso, eu estou pronto a perdoar”.
Ora, isso soa bem, mas assume que não podemos perdoar pelo mal causado a nós. A distinção entre culpa e dano é uma distinção importante. Além disso, é muito tranquilo fazer essas sugestões de o que eles deveriam ter dito enquanto estamos sentados num computador, mas uma coisa bastante diferente é estar diante do assassino de alguém que você ama e oferecer-lhe Berkhof.
Eles fizeram o que suas almas, auxiliadas pela graça de Cristo, lhes permitiram fazer naquele momento. E eu acho que em vez de criticar essas pessoas, nós deveríamos nos sentir constrangidos pela maneira como eles falaram. Isso faz os reformados parecerem mesquinhos e pastoralmente insensíveis.
A questão da culpa de Dylan Roof permanece. Ele precisa se arrepender diante dessas pessoas e diante de Deus se ele vai ser salvo. Um dos familiares deixou claro:
“Mas nós gostaríamos que você usasse essa oportunidade para arrepender-se. Arrependa-se, confesse, entregue sua vida àquele que mais importa: Cristo. Que ele possa mudar isso, mudar seus caminhos, não importa o que aconteceu com você, e você estará bem. Faça isso e você estará melhor do que está nesse momento”.
Todos nós deveríamos ter em mente que seria glorioso se os mortos encontrassem Dylan no céu e o abraçassem. Eu posso orar para que a justiça seja feita a ele (i.e., que ele seja executado por esses assassinatos), mas que a misericórdia seja demonstrada a ele (i.e., que ele se arrependa e seja salvo).
Mas, seja o que fizermos, não lancemos dúvidas ou sombras sobre essas pessoas porque queremos usar essa oportunidade para criticar os detalhes de suas teologias. Precisão teológica tem seu lugar, e há alguns exemplos onde acho que precisamos insistir sobre arrependimento para reconciliação no contexto da igreja (i.e., “se teu irmão pecar…”). Mas este é um exemplo em que cristãos – e, de fato, não-cristãos também – somente podem se maravilhar com a graça e o amor que foram expressos por esses parentes enlutados.
Imagine se nós disséssemos ao mundo que o que eles viram dos familiares enlutados era teologicamente incorreto. E, baseado em Marcos 11.25, eu não tenho certeza de que eles estão teologicamente incorretos.
Os familiares das vítimas de Charleston expressaram um dos melhores exemplos de teologia que ouvi em minha vida. Pensar que as vítimas fizeram melhor em ir ao estudo bíblico do que em não ir é uma reflexão gloriosa e contundente para todos nós. João 17.24: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me amaste antes da fundação do mundo”.
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Traduzido por Josaías Juniro no Reforma 21
Pragmatismo é a noção de que o significado ou o valor de alguma coisa é determinado pelas consequências práticas. Ou seja, algo só deve ser aceito como verdadeiro se gerar resultados imediatos.
Para o pragmático o que importa é o que funciona. Se é Verdadeiro ou não, se é ético ou não, não interessa! O que interessa é: funciona? Esse é o crivo da verdade no pragmatismo. A grande pergunta do pragmático, portanto, não é, “é certo?”, mas “dá certo?”.
No geral o pragmático é relativista. Sendo relativista rejeita a noção de absolutos. A verdade é aquilo que é útil e funciona.
Pois bem, lamentavelmente tenho que dizer que as igrejas brasileiras estão tomadas de pastores pragmáticos e precisamos batalhar urgentemente contra isso…
Neste vídeo, o Rev. Dorisvan Cunha mostra o que é pragmatismo e como combate-lo. Assista:
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Fonte: Guerra pela Verdade
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Nesta nova série “Leia Romanos com Calvino”, postaremos os comentários do grande reformador de trechos selecionados de Romanos. Acesse o Sumário
“(18) Porque a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que substituem a verdade pela injustiça; (19) porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhos manifestou. (20) Pois, desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus – seu eterno poder e sua natureza divina – têm sido claramente vistos, sendo percebidos através das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; (21) porque, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, mas seus pensamentos tornaram-se fúteis, e seus corações insensatos se obscureceram. (22) Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos, (23) e trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens feitas segundo a semelhança do homem corruptível, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis.”
18. Porque a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens. O apóstolo apresenta agora um argumento com base numa comparação de opostos a fim de provar que a justiça só pode ser concedida ou conferida pela instrumentalidade do evangelho, pois ele demonstra que sem este todos [os homens] estão condenados. A salvação, pois, será encontrada unicamente no evangelho. A primeira prova confirmativa que ele adiciona consiste no fato de que, embora a estrutura do mundo e a mais esplêndida ordem dos elementos deveriam induzir o homem a glorificar a Deus, todavia não há nada que o desobrigue de seus deveres. Isto é prova de que todos os homens são culpados de sacrilégio e de ignóbil e iníqua ingratidão.
Há quem sugere que esta é a primeira proposição de Paulo, de modo a iniciar seu discurso com o arrependimento; sinto, porém, que aqui é onde Paulo começa seu tema polêmico, e que o tema central foi afirmado na cláusula precedente. Seu objetivo é instruir-nos sobre onde a salvação deve ser buscada. Ele garante que só podemos obtê-la por meio do evangelho, mas visto que a carne não se humilhará voluntariamente ao ponto de atribuir o louvor da salvação exclusivamente à graça divina, o apóstolo mostra que o mundo todo é culpado de morte eterna. Segue-se deste fato que devemos reaver a vida por algum outro meio, visto que, por nós mesmos, estamos todos perdidos. Um exame criterioso de cada palavra nos será de grande valia a fim de entendermos o significado da passagem.
Alguns intérpretes fazem distinção entre impiedade e injustiça, sustentando que impiedade aponta para a profanação do culto divino, enquanto que injustiça aponta para a carência de justiça nos homens. Entretanto, visto que o apóstolo se refere a esta injustiça em imediata relação com a negligência da religião genuína, interpretaremos ambas como tendo o mesmo sentido. Toda impiedade humana deve ser considerada à luz da figura de linguagem chamada hipálage, significando a impiedade de todos os homens, ou a impiedade da qual todos os homens se acham convencidos. Uma coisa é designada através de duas expressões distintas, a saber: ingratidão em relação a Deus, visto que o injuriamos de duas formas. ?????????, impiedade, implica na desonra de Deus, enquanto que ???????, injustiça, significa que o homem, ao transferir para si o que pertence a Deus, tem injustamente privado a Deus de sua devida honra. O termo ira, referindo-se a Deus em termos humanos como é comum na Escritura, significa a vingança de Deus, pois quando ele pune, segundo nosso modo de pensar, ele aparenta estar irado. O termo, pois, revela não a atitude emocional de Deus, e, sim, as sensações do pecador que é punido. Paulo, pois, diz que a ira de Deus é revelada do céu, conquanto a expressão do céu é tomada por alguns como um adjetivo, como se ele dissesse: a ira do Deus celestial. Em minha opinião, contudo, é mais enfático dizer: “Para qualquer parte que o homem olhe, ele não encontrará salvação alguma, pois a ira de Deus é derramada sobre o mundo inteiro e permeia toda a extensão do céu.”
A verdade de Deus significa o genuíno conhecimento de Deus, e substituir a verdade é suprimi-la ou obscurecê-la; daí serem eles acusados de latrocínio. Em injustiça é um hebraísmo, e significa injustamente [injuste], porém levamos em conta sua perspicuidade.
19. Porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles. Paulo assim designa qual a propriedade ou expediente para adquirirmos conhecimento acerca de Deus, e indica tudo o que se presta para anunciar a glória do Senhor, ou – o que é a mesma coisa – tudo quanto deve induzir-nos ou incitar-nos a glorificar a Deus. Isso subentende que não podemos compreender plenamente a Deus, em toda sua grandeza, mas que há certos limites dentro dos quais os homens devem manter-se, embora Deus acomode à nossa tacanha capacidade [ad modulum nostrum attemperat] toda declaração que ele faz de si próprio. Portanto, somente os estultos é que buscam conhecer a essência de Deus. O Espírito, o Preceptor da sabedoria plenária, não sem razão chama nossa atenção para o que pode ser conhecido, ??? ????????, e o apóstolo logo em seguida explicará como isso pode ser apreendido. A força da passagem é intensificada pela preposição in [in ipsis, em vez do simples ipsis]. Conquanto na fraseologia hebraica, a qual o apóstolo freqüentemente usa, a partícula in [em] é às vezes redundante, tudo indica que ele, nesta instância, pretendia indicar uma manifestação do caráter de Deus que é por demais forte para permitir que os homens dela escapem, visto que, indubitavelmente, cada um de nós a sente esculpida em seu próprio coração. Ao dizer: Deus lhos manifestou, sua intenção é que o homem foi criado para ser um espectador do mundo criado, e que ele foi dotado com olhos com o propósito de ser guiado por Deus mesmo, o Autor do mundo, para a contemplação de tão magnificente imagem.
20. Pois, desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus – seu eterno poder e sua natureza divina – têm sido claramente vistos. Deus, em si mesmo, é invisível, porém, uma vez que sua majestade resplandece em todas suas obras e em todas suas criaturas, os homens devem reconhecê-lo nelas, porquanto elas são uma viva demonstração de seu Criador. Por esta razão o apóstolo, em sua Epístola aos Hebreus, chama o mundo deespelho ou representação [specula seu spectacula] das coisas invisíveis [Hb 11.3]. Ele não apresenta detalhadamente todos os atributos que podem ser considerados pertencentes a Deus, porém nos diz como chegar ao conhecimento de seu eterno poder e divindade. Aquele que é o Autor de todas as coisas deve necessariamente ser sem princípio e incriado. Ao fazermos tal descoberta sobre Deus, sua divindade se descortina diante de nós, e esta divindade só existe quando acompanhada de todos os atributos divinos, visto que todos eles se acham incluídos nesta divindade.
Tais homens são indesculpáveis. Isso prova nitidamente o quanto os homens podem lucrar com a demonstração da existência de Deus, ou, seja: total incapacidade de apresentar qualquer defesa que os impeça de serem justamente acusados diante do tribunal divino. Devemos, pois, fazer a seguinte distinção: a manifestação de Deus, pela qual ele faz sua glória notória entre suas criaturas, é suficientemente clara até onde sua própria luz se manifesta. Entretanto, em razão de nossa cegueira, ela se torna inadequada. Porém não somos tão cegos que possamos alegar ignorância sem estar convictos de perversidade. Formamos uma concepção da divindade e então concluímos que estamos sob a necessidade de cultuar tal Ser, seja qual for seu caráter. Nosso juízo, contudo, fracassa aqui antes de descobrirmos a natureza ou caráter de Deus. Daí o apóstolo, em Hebreus 11.3, atribui à fé a luz por meio da qual uma pessoa pode obter real conhecimento da obra da criação. Ele tem boas razões para agir assim, pois somos, em virtude de nossa cegueira, impedidos de alcançar nosso alvo. E todavia vemos suficientemente bem para ficarmos totalmente sem justificativa. Ambas estas verdades são bem demonstradas pelo apóstolo em Atos 14.16-17, quando diz que o Senhor, em tempos passados, deixou as nações em sua ignorância, entretanto não as deixou sem testemunho (??????????), visto que lhes deu do céu as chuvas e as estações frutíferas. Esse conhecimento de Deus, portanto, só serve para impedir que os homens se justifiquem, o qual difere grandemente do conhecimento que traz a salvação. Este último [conhecimento] é mencionado por Cristo, e Jeremias nos ensina a nos gloriarmos nele [Jo 17.3; Jr 9.24].
21. Tendo conhecimento de Deus. Ele claramente afirma, aqui, que Deus pôs o conhecimento de si mesmo nas mentes de todos os homens. Em outras palavras, Deus tem assim demonstrado sua existência por meio de suas obras a fim de levar os homens a verem o que não buscam conhecer de sua livre vontade, ou, seja, que existe Deus. O mundo não existe por meios fortuitos nem procedeu de si mesmo. Mas é preciso notar sempre qual o grau de conhecimento em que permaneceram, como veremos a seguir.
Não o glorificaram como Deus. Nenhuma concepção de Deus se pode formular sem que se inclua eternidade, poder, sabedoria, bondade, verdade, justiça e misericórdia. Suaeternidade se evidencia mediante o fato de que ele mantém todas as coisas em suas mãos e faz com que todas elas estejam em harmonia com ele. Sua sabedoria é percebida no fato de que ele dispôs todas as coisas em perfeita ordem. Sua bondade consiste em que não há nenhuma outra causa para que ele criasse todas as coisas, nem existe alguma outra razão que o induza a preservá-las, senão sua bondade. Sua justiça se evidencia no modo como ele governa o mundo, visto que pune os culpados e defende os inocentes. Sua misericórdiaconsiste em que ele suporta a perversidade dos homens com inusitada paciência. E suaverdade consiste no fato de que ele é imutável. Aqueles, pois, que pretendem formular alguma concepção de Deus, devem tributar-lhe o devido louvor por sua eternidade, sabedoria, bondade, justiça, misericórdia e verdade.
Visto que os homens têm deixado de reconhecer em Deus tais atributos, ao contrário o têm retratado imaginariamente como se fosse um fantasma sem substância, tem-se afirmado, com justiça, que eles o têm impiamente despido de sua glória. Não é sem razão que Paulo adicione que nem lhe deram graças, pois não existe ninguém que não esteja endividado para com a infinita munificência divina, e é somente por esta razão que ele nos põe na condição de eternos inadimplentes diante de sua condescendência em revelar-se a nós. Mas seus pensamentos tornaram-se fúteis, e seus corações insensatos se obscureceram, ou, seja: renunciaram a verdade de Deus e se volveram para a vaidade de seus próprios raciocínios, os quais são completamente indistinguíveis e sem permanência. Seu coração insensível, sendo assim entenebrecido, não pode entender nada corretamente, senão que se acha precipitado em erro e falsidade. Esta é a injustiça [da raça humana], ou, seja: que a semente do genuíno conhecimento foi imediatamente sufocada por sua impiedade antes que pudesse medrar e amadurecer.
22. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. Comumente se infere desta passagem que o apóstolo está fazendo alusão aos filósofos que adotavam exclusivamente para si a fama de sábios. A força de seu argumento é mantida para provar que, quando a superioridade dos grandes é reduzida a nada, o povo comum fica destituído de base para supor que os homens possuem algo digno de louvor. Os intérpretes que defendem este conceito não me convencem de que foram influenciados por um raciocínio suficientemente conclusivo, pois não era peculiar aos filósofos imaginarem que possuíam sabedoria no conhecimento de Deus, mas que tal sabedoria era igualmente comum a todas as nações e classes de homens. Todos os homens têm procurado formar alguma concepção da Majestade de Deus, e imaginá-lo um Deus tal qual sua razão pudesse concebê-lo. Tal pretensão em referência a Deus, afirmo eu, não se aprende nas escolas filosóficas, senão que é algo inato e nos acompanha, por assim dizer, desde o ventre materno. É evidente que este mal tem florescido em todos os tempos, de modo a permitirem os homens a si mesmos total liberdade de engendrar práticas supersticiosas. Portanto, a arrogância que aqui se condena consiste em que, quando os homens deviam humildemente dar glória a Deus, procuraram ser sábios a seus próprios olhos e reduziram Deus ao nível de sua própria condição miserável. Paulo mantém o seguinte princípio: se alguém se aliena do culto divino, a culpa é toda sua, como se quisesse dizer: “Visto que se exaltaram soberbamente, se converteram em loucos pela justiça vingadora de Deus.” Há também uma razão óbvia que milita contra a interpretação por mim rejeitada. O erro de formar uma imagem de Deus [de affingenda Deo imagine] não teve sua origem nos filósofos, mas foi recebido de outras fontes, recebendo também daí sua própria aprovação.
23. E trocaram a glória do Deus incorruptível. Uma vez tendo imaginado Deus segundo o discernimento de seus sentidos carnais, foi-lhes impossível reconhecer o Deus verdadeiro, porém inventaram um deus novo e fictício, ou, melhor, um fantasma mitológico. O que Paulo tem em mente é que trocaram a glória de Deus. Da mesma forma como alguém poderia substituir um filho por outro, eles se afastaram do verdadeiro Deus. Nem podem ser escusados sob o pretexto de que crêem, não obstante, que Deus habita o céu, e que não consideram a madeira como sendo Deus, e, sim, como sendo sua imagem ou representação [pro simulacro], pois formar tão grosseira idéia de sua Majestade, ao ponto de fazer uma imagem dele, se constitui num terrível insulto dirigido a Deus. Nenhum deles pode isentar-se da blasfêmia de tal pretensão, quer sejam sacerdotes, governantes ou filósofos. Até mesmo Platão, o mais primoroso entre eles, em sabedoria, procurou delinear alguma forma de Deus [formam in Deo].
A total loucura para a qual voltamos a atenção aqui consiste em que todos os homens têm pretendido fazer para si próprios uma figura de Deus. Esta é uma sólida prova de que suas idéias acerca de Deus são grosseiras e irracionais. Em primeiro plano, eles têm maculado a Majestade divina ao concebê-la de conformidade com a semelhança de homem corruptível(prefiro esta tradução em vez de homem mortal, adotada por Erasmo), visto que Paulo confrontou não só a mortalidade humana com a imortalidade divina, mas também a glória divina incorruptível com a própria condição deplorável do homem. Além do mais, não se sentindo satisfeitos com tão profunda ofensa, eles ainda desceram às mais vis bestialidades, tornando ainda mais concreta sua estupidez. O leitor poderá ver uma descrição dessas práticas abomináveis em Lactâncio, Eusébio e Agostinho, este último em sua Cidade de Deus.
A Biblioteca João Calvino é um projeto do Ministério Fiel, cujo propósito é abençoar a Igreja de fala portuguesa através da disponibilização gratuita para leitura dos comentários bíblicos do reformador francês, publicados pela Editora Fiel.
O Ministério Fiel também está disponibilizando a venda dos comentários bíblicos de Calvino em e-book, com preço simbólico, a fim de encorajar o leitor a montar sua própria biblioteca virtual.
Que Deus o abençoe em sua leitura! Que essa seja uma ferramenta edificante na sua vida.
Por: João Calvino. © 2014 Ministério Fiel. Original: Leia Romanos com Calvino: a ira de Deus se revela do céu (Rm 1.17-23).
Brian Croft
Baseado nos e-mails, mensagens e telefonemas que costumo receber, acredite: o seu pastor precisa de encorajamento. Ele precisa saber que o que ele faz semanalmente significa alguma coisa para Deus e para aqueles por quem ele trabalha. Aqui vão cinco sugestões para fazer isso:
1) Mostre apreciação pelo trabalho duro que ele realiza
Talvez as palavras que mais machucam um pastor e sua esposa não são “sermão ruim”, “essa foi uma decisão idiota” ou “eu não gosto da forma como você faz isso”. Em vez disso, o que mais machuca são palavras que implicam o seguinte: “você é preguiçoso”. Por causa disso, o que realmente encoraja um pastor e sua esposa é ouvir palavras de agradecimento pelo trabalho duro de pregar e pastorear as almas sob sua responsabilidade.
2) Faça comentários específicos sobre o sermão
Não estou falando sobre dar tapinhas em suas costas e dizer “bom sermão”. Em vez disso, seja específico: “essa explicação me ajudou muito” ou “essa aplicação foi em cima das minhas dificuldades”. Não subestime o quão impactante um comentário específico e pensado pode ser para o seu pastor, especialmente na segunda-feira.
3) Reconheça o sacrifício de sua família
Além de encorajar sua esposa e suas crianças, vai ser muito significativo para o pastor. O fato de ele saber que você está pensando em sua família, às vezes, vale mais do que ele saber que você pensa nele. Um dos encorajamentos mais importantes para mim foi minha esposa e meus filhos serem agradecidos pelo sacrifício em me permitirem fazer o que faço. Meus filhos, especialmente, sempre se lembram dessas coisas.
4) Revele o quanto o seu ministério tem crescido sob o ministério dele
Isso é algo que um pastor gosta de ouvir e deseja que esteja acontecendo com todos em sua congregação. Pare de deixá-lo no suspense e fale para ele. O Senhor pode usar essas palavras para ajudá-lo a perceber o que ele precisa mudar ou ajustar a forma que ele prega e cuida das pessoas.
5) Diga a ele como você ora por ele
O seu pastor, mais do que todas as pessoas, sabe o significado da oração. As coisas mais relevantes que eu já ouvi não foram “eu orei por você”, mas “orei para que o sermão fosse pregado poderosamente e avidamente recebido” ou “orei para que Deus proteja você e sua família do inimigo durante essa semana importante”. Escreva hoje um e-mail ou uma mensagem para o seu pastor e diga que você tem orado por ele ou fale sobre o quê você estará orando por ele durante a semana.
Se não for dessas formas, ache uma maneira de encorajar o seu pastor nessa semana. Nunca subestime o quão importante e bem-vindo isso pode ser, quando Deus o dirige a fazer isso… especialmente na Segunda!
Aconteceu nos dias 18 a 22 de maio, na Igreja Presbiteriana Ebenézer em São Paulo, a 1ª Semana Teológica de 2015 do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, com o tema “O Evangelho e a Transformação Integral”. Confira todas as palestras ministradas:
Palestra 2: Introdução à Ética Social de João Calvino – Rev. Hermisten M.P. Costa.
Palestra 3: Calvino e a Responsabilidade Transformadora do Cristão e dos Governantes na Esfera da Política. – Pb. Solano Portela.
Palestra 4: Abraham Kuyper e a Transformação Social – Rev. Heber Campos Jr.
Palestra 5: A Teologia da Missão Integral: Uma Reflexão Crítica à Luz da Teologia Reformada – Rev. Filipe Fontes.
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Fonte: Seminário JMC
Divulgação: Bereianos
Baseado nos ensinos do apóstolo João, Paul Washer demonstra algumas evidências práticas que comprovam o novo nascimento na vida de um verdadeiro cristão em contraste com a confissão de fé superficial de uma pessoa que vive uma vida em contradição com a natureza de alguém que foi regenerado e se tornou uma nova criatura em Cristo Jesus.
Por: Paul Washer © 2012 HeartCry Missionary Society. Website: hcmissions.com.Tradução: cpsilva1. Original: Um Verdadeiro Discípulo – Conferência 5 (Como eu posso saber se eu sou salvo?) – Paul Washer
Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que informe o autor, seu ministério e o tradutor, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.
Paul Washer obteve seu M.Div no Southwestern Theological Seminary. É fundador da sociedade missionária HeartCry, que apoia o trabalho de missões em mais de 20 países da América do Sul, Europa, África, Ásia e Oriente Médio. Autor do livro “Dez acusações Contra a Igreja Moderna” (Fiel).
Ao lidarmos com a morte estamos tratando de algum tipo de separação, algum tipo de distanciamento necessário por algum motivo – seja ele evidente ou não. A morte física é a separação da nossa parte imaterial da nossa parte material; a morte espiritual é a separação de nosso ser interior, nossa alma, de Deus. Esse distanciamento de Deus nos destituiu da sua glória. Na sua glória existe vida e morte, a majestade e julgamento, o poder e a graça, santidade e luz. Mas as Escrituras não tratam apenas dos tipos de morte citadas acima, tratam também da morte do cristão, da mortificação de nossa natureza caída. E não é só isso, mas, como dizia Francis Schaeffer, trata dacentralidade da morte.
No limiar do pensamento moderno, a vontade do homem é colocada em evidência e entronizada como senhora da vida e da morte. As Sagradas Escrituras não ensinam assim. As Escrituras nos mostram que somente Deus pode vivificar o homem caído, vide o texto de Ezequiel 37.13,14:
“E sabereis que eu sou o Senhor, quando eu abrir os vossos sepulcros, e vos fizer subir das vossas sepulturas, ó povo meu. E porei em vós o meu Espírito, e vivereis, e vos porei na vossa terra; e sabereis que eu, o SENHOR, disse isto, e o fiz, diz o SENHOR.”
O Texto aqui nos mostra que o Senhor é o Deus da vida, ele vivifica seu povo. No conhecido livro A morte da morte na morte de Cristo vemos que a morte também tem um papel central no pensamento do teólogo puritano John Owen, tratando sobre o triunfo de Cristo por sua morte e ressurreição. A morte que foi imputada ao homem como juízo de Deus ao pecado na queda. Sobre as consequências da queda de Adão e os efeitos de sua morte nos diz o Bavinck:
Portanto o pecado que Adão cometeu não ficou restrito somente à sua pessoa. Ele continuou a operar em e através de toda a raça humana. Nós não lemos que por um homem entrou o pecado em uma pessoa, mas no mundo (Rm 5.12), e também a morte sobreveio a todos os homens por causa do pecado desse homem.[i]
Na queda a morte entrou no mundo de Deus, esse fato é de suma importância para teologia cristã, visto que não somente a morte de Adão vai ocupar um lugar importante, mas toda teologia do Antigo Testamento parte de uma questão ou questões relacionadas à morte e a redenção. Em Adão a morte entrou no mundo, mas, pela morte a vida e reconciliação com Deus foram concedidas por Cristo, o segundo Adão, como Romanos 5.8 nos diz: “Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” Também em Romanos 4.25 lemos: “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação.”
Isso não é de somenos importância na teologia cristã, a morte do primeiro Adão trouxe juízo e destituiu o homem da glória de Deus, a morte do segundo Adão (Cristo) trouxe reconciliação ao que estava separado pela morte e o restaurou a glória de Deus, “Aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória” (Colossenses 1.27). Diz Calvino:
[Paulo] denomina Cristo a esperança da glória, para que soubessem que nada lhes está faltando para a completa bem-aventurança, quando já possuem a Cristo. Não obstante, esta é uma maravilhosa obra de Deus, que em vasos de barro e frágeis (2Co 4.7) rende a esperança da glória celestial.[ii]
Ao compreendermos então a centralidade da morte expiatória de Cristo e seus gloriosos efeitos redentores sobre os homens, a Bíblia nos continua a mostrar que essa morte tem significado para a vida cristã, não somente no ato salvador de Cristo, mas em nossa união com ele também, Cristo morreu pelo seu povo (Mt 1.21) para que seu povo fosse salvo e santificado, para que os seus continuassem morrendo para o pecado, isso fala de nossa luta contra nossa natureza carnal, pecadora. Nos diz a Escritura em Colossenses 3.5:
“Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria.”
Diante da importância do tema estamos perante um espectro maravilhoso da Escritura, o sacrifício de Cristo gera em nós na regeneração do Espírito Santo uma vida de santidade e santificação, ato posicional e contínuo. Essa mortificação se dá pela gloriosa operação do Espírito em nós que nos capacita por seu poder a resistirmos e lutarmos contra o pecado, e agora com os olhos do entendimento abertos para o conhecimento da glória, vivermos como mortos para o pecado. Gosto do que Schaeffer diz sobre essa questão:
[…] a Bíblia nos dá uma negativa, de fato, muito definida – uma que não pode se tornar uma abstração, mas que marca as coisas difíceis da vida normal. Já vimos que a Palavra de Deus é clara ao dizer que em todas as coisas, inclusive naquelas que são difíceis, devemos estar contentes e dizer “muito obrigado” a Deus. É uma verdadeira negativa, a negativa de dizer “não” a qualquer domínio das coisas e do eu.[iii]
A Bíblia nos mostra que a vida cristã prova essa negativa que Schaeffer nos diz. E essa negativa nos eleva a uma “positividade”, ou seja, uma vida satisfeita em Deus, uma vida que se contenta e se deleita na vontade de Deus que é melhor que a nossa (Rm 12.1,2). Essa negativa só pode ser vivida quando se tem uma correta perspectiva da verdade e da vida, uma vida não vivida pela morte não pode ser mortificada pela vida. Essa mortificação só pode acontecer quando conhecemos a Deus, e como diz o primeiro capítulo das Institutas de Calvino, o homem só conhece a si mesmo se conhecer a Deus, o conhecimento de Deus é a porta para o entendimento da realidade, fora desse conhecimento real não é possível um conhecimento do que é, sem essa morte posicional e contínua não se conhece de fato o real, mas, o que temos é um efeito noético do pecado dominando a mente do homem. Ainda que pela graça comum algum bem possa ser desfrutado, mesmo manchado pelo pecado, é impossível um conhecimento verdadeiro e real sobre o homem interior e sua verdadeira posição e condição no mundo. Somente pela morte de Cristo e por nossa união com ele podemos conhecer de fato. Continua Schaeffer:
É uma perspectiva diferente. É uma perspectiva que é a antítese daquela que o mundo tem, aquela que normalmente nos rodeia. Quando começamos a contemplar essas palavras nesse cenário – a perspectiva é totalmente outra – a perspectiva do Reino de Deus em vez da do mundo caído e de nossa própria natureza caída – é bem diferente. Somos pressionados por um mundo que não quer dizer não ao eu – não só por uma razão menor, mas por falta de princípio, porque os homens estão decididos a ser o centro do universo. Quando nós saímos um pouco dessa perspectiva muito sombria deles e entramos na perspectiva do Reino de Deus, então essas negativas que são colocadas sobre nós assumem um aspecto inteiramente diferente.[iv]
Logo, segundo a linguagem de Schaeffer a perspectiva do reino pode nos dar a dimensão correta da realidade, da verdade. Ainda sobre Colossenses 3.5, Calvino diz:
Até aqui ele esteve falando do desprezo do mundo. Agora avança mais e aborda uma filosofia mais elevada, a saber, a mortificação da carne. Para que isso seja mais bem compreendido, notemos bem que há uma dupla mortificação. A primeira se relaciona com as coisas que nos cercam. Ele tratou desta até aqui. A outra é a interior – a do entendimento e da vontade, bem como de toda nossa natureza corrupta. Ele faz menção de certos vícios a que chama, não com estrita exatidão, mas, ao mesmo tempo, elegantemente: membros. Pois ele concebe nossa natureza como sendo, por assim dizer, uma massa formada de diferentes vícios. Portanto, estes são nossos membros, visto que, de certa maneira, estão fundidos em nós. Ele os chama também de terrenos, aludindo ao que dissera: “Não nas coisas que não da terra” [v.2], mas num sentido diferente. “Tenho-vos admoestado para que as coisas terrenas sejam desconsideradas; no entanto, deveis tomar como vosso alvo a mortificação desses vícios que vos detêm na terra.” Entretanto, ele notifica que somos terrenos na medida em que os vícios de nossa carne são vigorosos em nós, e que se tornam celestiais pela renovação do Espírito.[v]
Fica claro que é legada a nós uma vida santa pela renovação do Espírito e isso promove uma transformação espiritual, social e cultural no homem, a mortificação em nossa vida é fruto da nossa união com Cristo, é fruto do nosso compromisso com o evangelho, é a vida vivida na morte.
Não poderia deixar de mencionar o clássico livro do pastor congregacional John Owen, considerado o príncipe dos puritanos, A Mortificação do Pecado:
Cada pecado não mortificado produzirá duas coisas:
a) Enfraquecerá a alma e a privará da sua força. Quando Davi permitiu que um desejo pecaminoso não mortificado se alojasse no seu coração ele ficou sem vigor espiritual […] Qualquer desejo pecaminoso que não seja mortificado fará murchar o espírito e todo o vigor da alma de desse modo enfraquecerá para o cumprimento de todos os seus deveres.
b) Assim como o pecado enfraquece, ele também obscurece a alma e a priva do seu conforto e da sua paz. O pecado é como uma nuvem espessa que se espalha sobre a face da terra e a separa dos raios do amor e do favor de Deus. Rouba a pessoa da sua percepção e do gozo dos privilégios da sua adoção. A mortificação é o único remédio contra esses dois efeitos malignos do pecado na alma.[vi]
No entanto meu objetivo não é concluir de forma negativa sobre a negativização do pecado, ou a mortificação. Ainda tomando as palavras de Owen, vejamos:
A Mortificação também tem um efeito muito benéfico sobre o crescimento da graça de Deus no coração humano.Se compararmos o coração humano a um jardim então a mortificação pode ser assemelhada ao trabalho de se remover as ervas daninhas que impediriam o crescimento das plantas da graça de Deus. Pense num jardim onde uma planta preciosa tenha sido plantada. Se o jardim for regularmente cuidado a planta florescerá. Se, porém, ervas daninhas forem deixadas, a planta será fraca, murcha e sem utilidade. Onde a mortificação não consegue destruir as ervas daninhas do pecado, as plantas da graça de Deus estão prestes a morrer (Ap. 3.2). Estão murchando e morrendo. Tal coração é como o campo do preguiçoso – tomado tanto por ervas daninhas que mal podem ver o trigo. Quando você olha para esse coração, as graças da fé, do amor e do zelo lá estão; todavia são tão fracas, tão entrelaçadas de ervas daninhas do pecado, que não tem utilidade. Que esse coração seja liberto do pecado pela mortificação; e então, estas plantas da fé, do amor e do zelo começarão a florescer e estarão em condições de ser utilizadas para todo bom propósito.[vii]
Nosso jardim irá desfrutar mais vida e beleza, ao retirarmos as ervas daninhas, isso só será feito pela morte, só será possível quando nosso desejo e satisfação por Deus for maior que nossa inclinação ao pecado.
“Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.” – Gálatas 2.20
“Deus é mais glorificado em nós quando somos mais satisfeitos nele.” – John Piper
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Notas:
[i] – Teologia Sistemática, Herman Bavinck, p.197 – Sinodal. (Arquivo em PDF)
[ii] – Comentário de Colossenses, João Calvino, p.526,528 – Ed. FIEL
[iii] – A Verdadeira Espiritualidade, Francis Schaeffer, p. 36 – Ed. Cultura Cristã
[iv] – Ibd, p. 40
[v] – Comentário de Colossenses, João Calvino p.566 – Ed. FIEL
[vi] – A Mortificação do Pecado, John Owen, p. 108,109 – Ed. PES
[vii] – Ibd, p.110.
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Autor: Thomas Magnum de Almeida
Fonte: Electus
Nesta nova série “Leia Romanos com Calvino”, postaremos os comentários do grande reformador de trechos selecionados de Romanos. Acesse o Sumário
“(16) Porque não me sinto envergonhado do evangelho, pois ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê; do judeu primeiro, e também do grego. (17) Pois nele é revelada a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá pela fé.”
16. Não me sinto envergonhado do evangelho [de Cristo]. O apóstolo aqui antecipa uma objeção, declarando de antemão que não se deixava intimidar pelos escárnios dos ímpios. Ao proceder assim, no entanto, ele aproveita a oportunidade para enaltecer os méritos do evangelho, a fim de que ele não viesse a ser desdenhado pelos romanos. Ao afirmar que não se sentia envergonhado em relação ao evangelho, ele insinua que o mesmo era de fato desprezível aos olhos do mundo. Dessa forma os prepara para suportarem os sofrimentos provenientes da cruz de Cristo, para que não viessem a subestimar o evangelho ao verem-no exposto à cólera e ao menosprezo dos ímpios. Contudo, em contrapartida o expõe aos cristãos como sendo ele de supremo valor. Se acima de tudo o poder de Deus tem de ser sublimemente considerado, então que se saiba que esse poder emana do evangelho. Se é indispensável que busquemos e amemos a benevolência [divina], então que se saiba que o evangelho é o instrumento dessa benevolência, e é indispensável que o mesmo seja honrado e valorizado, visto que se deve todo respeito ao poder de Deus, e que devemos amá-lo à medida que nossa salvação vai sendo assegurada.
Notemos bem quanto valor Paulo atribui ao ministério da Palavra, ao declarar que Deus exerce seu poder nela para nossa salvação. Ele aqui não está falando de alguma revelação secreta, e, sim, da pregação por meio da expressão verbal que vem dos lábios. Segue-se disso que aqueles que se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los.
Visto que Deus não opera eficazmente em todos os homens, mas só quando o Espírito ilumina nossos corações como seu Mestre, ele adiciona todo aquele que crê. O evangelho é deveras oferecido a todos para sua salvação, mas seu poder não se manifesta universalmente. O fato de que o evangelho é aroma de morte para os ímpios não vem tanto de sua própria natureza, mas da própria perversidade humana. Ao determinar um caminho de salvação, ele elimina a confiança em quaisquer outros caminhos. Quando os homens se retraem desta salvação singular, eles encontram no evangelho uma segura evidência da própria ruína deles. Quando, pois, o evangelho convida a todos a participarem da salvação, sem qualquer distinção, ele é corretamente designado a doutrina da salvação. Pois Cristo é nele oferecido, cujo ofício particular é salvar aquele que se acha perdido, e aqueles que recusam ser salvos por Cristo encontrarão nele seu próprio Juiz. Na Escritura, a palavra salvação é estabelecida em oposição à palavra morte; e quando ela ocorre, devemos considerar qual é o tema em discussão. Portanto, visto que o evangelho livra da ruína e da maldição da morte eterna, a salvação que ele assegura não é outra coisa senão a vida eterna.
Do judeu primeiro, e também do grego. Ao termo grego, aqui, Paulo inclui todos os gentios, como prova a comparação, pois sua intenção era incluir nas duas classes toda a raça humana. É provável que sua escolha desta nação em particular foi com o intuito de designar outras nações, porque, primeiramente, os gregos foram, depois dos judeus, os primeiros a serem admitidos na participação do evangelho do [novo] pacto; e, segundo, porque os gregos tinham melhor conhecimento que os judeus, em virtude de sua proximidade geográfica e do difuso conhecimento de sua língua. Usando uma figura de linguagem, ele, pois, une gentios e judeus na participação do evangelho, sem privar os judeus de sua eminência e posição, visto que desfrutavam a primazia nas promessas e vocação. Paulo, pois, mantém os judeus em suas prerrogativas, mas imediatamente inclui os gentios como sendo participantes com os judeus nas bênçãos do evangelho, embora em grau inferior.
17. Pois nele é revelada a justiça de Deus de fé em fé. Esta é uma explicação e confirmação da cláusula precedente, a qual afirma que o evangelho é “o poder de Deus para a salvação.” Se porventura buscarmos a salvação, ou, seja, a vida com Deus, devemos antes buscar a justiça, por meio da qual possamos reconciliá-lo conosco e tomar posse dessa vida que consiste exclusivamente em sua munificência, a saber, em ser-nos ele favorável. Para sermos amados por Deus, devemos antes ser justos diante de seus olhos, porquanto ele odeia a injustiça. Significa, pois, que não podemos obter a salvação de nenhuma outra fonte senão do evangelho, visto que Deus de nenhuma outra parte nos revelou sua justiça, a qual é a única que nos livra da morte. Esta justiça, a base de nossa salvação, é revelada no evangelho, daí dizer-se que o evangelho é o poder de Deus para a salvação! Dessa forma, nosso argumento se move da causapara o efeito. Notemos ainda mais quão raro e valioso é o tesouro que Deus nos concede em seu evangelho, ou, seja: a comunicação de sua justiça. Pela expressão justiça de Deus entendo aquela justiça que é aprovada em seu tribunal, ao contrário daquela que é atribuída e reputada como justiça no conceito dos homens; embora seja esta uma mera trivialidade, é geralmente referida como a “justiça dos homens”. Paulo, entretanto, indubitavelmente está aludindo às tantas profecias nas quais o Espírito está do começo ao fim estabelecendo a justiça divina no futuro reino de Cristo. Alguns comentaristas explicam o significado como sendo “a justiça que nos é dada por Deus”. Certamente concordo que as palavras nos conduzem a este significado, visto que Deus nos justifica por meio de seu evangelho, e assim nos salva. Não obstante, o primeiro sentido parece-me mais adequado, embora não pretenda eu gastar demasiado tempo com esta questão. É da maior importância o fato de que alguns eruditos acreditam que esta justiça consiste não só na livre remissão de pecados, mas, em parte, também na graça da regeneração. Eu creio, contudo, que somos restaurados à vida porque Deus gratuitamente nos reconcilia consigo, como mais tarde mostraremos mais amplamente em seu devido lugar.
Em lugar da expressão que usou antes, a todo aquele que crê, ele agora diz pela fé. A justiça é oferecida por meio do evangelho e recebida por meio da fé. Ele adiciona a fé, pois enquanto nossa fé prossegue e nosso conhecimento progride, a justiça de Deus cresce em nós e sua possessão é em certo grau confirmada. Desde o primeiro momento em que provamos o evangelho, contemplamos já o semblante de Deus voltado para nós favoravelmente, ainda que a certa distância. Quanto mais aumenta nosso conhecimento da genuína religião, mais vemos a graça divina com maior nitidez e mais familiaridade, como se ele se achegasse para mais perto de nós. A sugestão de que há aqui uma comparação implícita entre o Velho e o Novo Testamentos é mais sutil do que sólida, porquanto Paulo não está aqui comparando conosco os pais que viveram sob a Lei, senão que está caracterizando o progresso diário de cada cristão.
Como está escrito: Mas o justo viverá pela fé. Ele prova a justiça da fé pela autoridade do profeta Habacuque que, ao predizer a destruição dos soberbos, acrescenta concomitantemente que o justo viverá pela fé. A única maneira de vivermos na presença de Deus é por meio da justiça. Portanto, segue-se que nossa justiça depende da fé. O verbo no tempo futuro designa a perpetuidade ininterrupta da vida a que ele está se referindo, como se dissesse: “Ela não continuará por algum tempo, mas durará para sempre.” Os ímpios são também inflados com a ilusão de que têm vida, mas “enquanto dizem: Paz e segurança, lhes sobrevirá repentina destruição” [1Ts 5.3]. O que lhes toca, portanto, é uma sombra que dura só por algum tempo, enquanto que a fé dos justos é a única que traz vida perene. Qual é a fontedessa vida senão a fé que nos conduz a Deus e faz nossa vida depender dele? A referência que Paulo faz desta passagem de Habacuque seria irrelevante, a menos que o profeta tencionasse que só nos mantemos firmes quando descansamos em Deus, pela fé. E ele certamente atribui vida à fé dos santos, porém só quando eles, renunciando a arrogância do mundo, se resignam à proteção exclusiva de Deus.
É verdade que Habacuque não trata explicitamente só desta questão, e nem faz qualquer menção da justificação gratuita, mas é suficientemente evidente, à luz da natureza da fé, que esta passagem é corretamente aplicável a nosso presente tema. À luz de seu argumento, necessariamente inferimos também a mútua relação entre a fé e o evangelho, porque, visto que se diz que o justo vive por sua fé, também se nos diz que tal vida só pode ser recebida por meio do evangelho.
Veremos agora o ponto principal ou cardinal da primeira parte desta Epístola, a saber: que esta idéia não se acha ainda literalmente expressa por Paulo, mas, pela dedução que se segue, se vê facilmente que a justiça tem seu fundamento na fé, se a mesma estiver apoiada totalmente na misericórdia de Deus.
A Biblioteca João Calvino é um projeto do Ministério Fiel, cujo propósito é abençoar a Igreja de fala portuguesa através da disponibilização gratuita para leitura dos comentários bíblicos do reformador francês, publicados pela Editora Fiel.
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Que Deus o abençoe em sua leitura! Que essa seja uma ferramenta edificante na sua vida.
Por: João Calvino. © 2014 Ministério Fiel. Original: Leia Romanos com Calvino: não me envergonho do evangelho (Rm 1.16-17).
Silas Daniel respondeu à minha avaliação de seu texto “Em defesa do arminianismo” (publicado na revista Obreiro Aprovado Ano 36, nº 68) em quatro longos textos, publicados no site da CPAD. Tratarei de todos eles nesta postagem.
INTRODUÇÃO
Palavras têm significado. Portanto, há que se fazer uma diferença entre semipelagianismo e semiagostinianismo: o primeiro ensina que a graça de Deus e a vontade do homem trabalham juntas na salvação, e o homem deve tomar a iniciativa; a fé e o arrependimento são obras humanas, sendo consideradas pré-requisitos para se receber o Espírito. O segundo ensina que a graça de Deus se estende a todos, capacitando uma pessoa a escolher e a fazer o necessário para a salvação; a fé e o arrependimento são dons do Espírito. Esta diferença não pode ser subestimada. Ainda que o termo “semipelagianismo” tenha sido cunhado pelos luteranos no século XVI, e usado na Epítome da Fórmula de Concórdia, para, retrospectivamente, rotular a teologia associada à João Cassiano (conhecida como massilianismo, mas que também tem sido chamada pelos católicos de semipelagiana).
Já “molinismo” é a noção ensinada pelo jesuíta Luis de Molina, no século XVI. Esta posição foi uma ruptura não só com os ensinos de Agostinho e Aquino sobre a predestinação, mas também com os de Armínio (na medida em que o molinismo defende que Deus sabe que, se certa pessoa for colocada em uma situação particular, ela não irá resistir à graça). O autor busca respaldo no molinista, ainda que se identifique como arminiano. Para tentar responder à questão “quem criou o que Deus previu?”, ele apela à ideia do “conhecimento divino do futuro contingente condicional” (a scientia media, ideia elaborada por de Molina), que supostamente teria respaldo bíblico (ele cita apenas um texto-prova em apoio a esta ideia). O molinismo tem sido popularizado atualmente por William Lane Craig e Alvin Plantinga. No site Bereianos há farto material refutando o molinismo (escritos por Joseph Nally, James Anderson, John Frame, Herman Bavinck, Matthew McMahon, Paul Helm e François Turretini). E na Teologia Sistemática que escrevi com Alan Myatt há seções tratando criticamente esta posição.
De toda forma, a teologia católica tem rejeitado o ensino associado com o semipelaginismo (ou massilianismo) como herético, desde o Sínodo de Orange, de 529 (Denzinger-Hünermann (ed.), Compêndio, 374):
“Cân. 4. Se alguém professa que, para sermos purificados do pecado, Deus aguardou a nossa vontade, não porém que também o querer ser purificados se dá em nós mediante a inspiração e a obra do Espírito Santo, este tal se opõe ao mesmo Espírito Santo, que diz por meio de Salomão: ‘A vontade é preparada pelo Senhor [Pv 8.35 septg.], e ao Apóstolo, que salutarmente anuncia: ‘É Deus que opera em vós tanto o querer como o realizar segundo seu beneplácito’ [cf. Fp 2.13]”.
Silas reconhece que errou em seu estudo da soteriologia dos teólogos medievais. Ele havia, confiantemente, escrito em seu artigo publicado na revista Obreiro Aprovado que “o que prevaleceu na Igreja, desde o século 6 em diante, foi uma soteriologia que aceitava a Depravação Total, mas negava o conceito de predestinação”. Agora, nas postagens mais recentes, escreve, corrigindo-se, que “houve um excesso (…) [de sua] parte ao desprezar 100% de todo e qualquer vestígio da compreensão agostiniana em relação à mecânica da Salvação durante a Idade Média”. Tratarei do uso da história por parte de Silas neste texto, mas me causa desconforto o uso recorrente da expressão “mecânica da salvação”, o que, me parece, remete o debate à posição católica popular (como conectada ao recebimento mecânico da graça pelos sacramentos, numa distorção daquilo que o catolicismo denomina de ex opere operato) ou evangélica popular (como relacionada à “aceitação” de Cristo diante do apelo, que assegura aquele que “se decidiu” a salvação, conforme sistema popularizado pelo pelagiano Charles Finney), o que empobrece a linguagem do debate.
1. SOTERIOLOGIA AGOSTINIANA NA IDADE MÉDIA
Parece óbvio escrever isso, mas nenhum especialista em história do pensamento cristão afirmou que há plena concordância entre os teólogos medievais que citei e as formulações de Agostinho, o “Doutor da Graça”, como parece ter entendido o autor. Mas não há como notar que há sim algum tipo de continuidade entre as formulações de Agostinho e dos teólogos medievais que citei anteriormente: Próspero, Gottschalk, Anselmo, Bernardo, Bradwardine, Tomás de Kémpis e Tomás de Aquino, além de Jan Hus e John Wycliffe. Mesmo quanto ao conceito do livre-arbítrio há diferenças de definição entre estes autores (e não só entre eles, mas entre Martinho Lutero, João Calvino e Jonathan Edwards. cf. R. C. Sproul, Sola Gratia). No afã de provar que os autores antigos não eram “calvinistas” (ou, pelo menos, eram mais próximos do “arminianismo”), o autor perdeu de vista o que afirmei em meu primeiro texto, quando lembrei que há diferenças significativas entre os teólogos cristãos, uma constatação que deveria ser óbvia para qualquer um familiarizado com fontes primárias. “Um bom ponto de partida para tratar de temas teológicos controversos é começar com o que afirmam as confissões de fé que resumem as posições das tradições professadas, e não com as posições de teólogos, por mais importantes que estes sejam”. Em outras palavras, o que determina o que tal tradição crê (no caso, a tradição católica, reformada, luterana, batista, etc.) são seus documentos confessionais, não a posição de seus teólogos, mesmo dos mais representativos – pois este recurso, via de regra, se vale da falácia do argumento da autoridade (ad verecundiam) e também suscita a pergunta: por que recorrer a teólogo tal, quando se pode citar outro teólogo?
Usando a data da queda do Império Romano do Ocidente, que a historiografia tradicional emprega para marcar o fim da Antiguidade clássica, o autor rejeita Próspero de Aquitânia como um escritor medieval, desconsiderando o fato de que, intelectualmente, pode-se citar as origens do pensamento medieval cristão em Agostinho de Hipona, o “mestre do ocidente” (Philotheus Boehner e Etienne Gilson,História da filosofia cristã) – por exemplo, Jacques LeGoff situa Agostinho num primeiro período do medievo, que “balança da Antiguidade Tardia e a alta Idade Média” (cf.Homens e mulheres da Idade Média; cf. também A. S. McGrade (org.), Filosofia medieval; Josep-Ignasi Saranyana, La filosofía medieval: desde sus orígenes patrísticos hasta la escolástica barroca; Etienne Gilson, A filosofia na Idade Média; D. W. Hamlyn,História da filosofia ocidental, etc.). Ao tratar da rejeição da heresia pelagiana no Sínodo de Cartago, em 418, M. Pohlenz afirmou: “O fato de a Igreja ter-se pronunciado por tal doutrina [da necessidade da graça] assinalou o fim da ética pagã e de toda a filosofia helênica – e assim começou a Idade Média” (cf. Giovanni Reale & Dario Antiseri,História da filosofia. v. 2).
De qualquer forma, há algumas afirmações questionáveis por parte do autor sobre os teólogos citados. Sobre Próspero, supondo haver ocorrido uma mudança em sua posição (várias citações deste autor podem ser encontradas em Jaroslav Pelikan, A tradição cristã, v. 1) – Próspero, após abandonar a Gália, onde contendia com os discípulos de Cassiano, se tornou secretário de Leão I, sendo influente na composição do Tomo a Flaviano, fundamental na preparação da Definição de Calcedônia (cf. Philip Jenkins,Guerras santas). E os cânones do Sínodo de Orange foram baseados em uma coletânea de textos de Agostinho (chamadas Sententiae) “recolhidas em Roma pela metade do século V por Próspero de Aquitânia” (cf. Denzinger-Hünermann (ed.), Compêndio, p. 139). Pode-se citar neste contexto, outro importante agostiniano, Isidoro de Sevilha, considerado o último grande Pai latino, que defendeu as posições agostinianas sobre predestinação e graça em sua obra Etymologie (livro VII) – e foi ele, mais do que Agostinho (que tratou mais da predestinação para a vida eterna, do que à condenação eterna), que formulou a doutrina da predestinação dupla (Jaroslav Pelikan, A tradição cristã, v. 3).
Sobre Anselmo e Bernardo, o autor reconhece que ambos seguiram a Agostinho, ainda que “foram menos consistentes que Gottschalk em sua fidelidade à visão agostiniana”, como ele mesmo escreve. Mas este não é o ponto em questão. O fato é que ambos eram monergistas, como aqueles que forem às suas obras poderão comprovar. Sobre Bradwardine, o autor afirma, categoricamente, sem apresentar fontes, que ele “não cria na depravação total, dizendo que o pecado original não teria causado consequências mais graves sobre a natureza humana”. Na verdade, este teólogo medieval não enfatizou tal doutrina por uma razão metodológica: “Bradwardine apoia sua teologia anti-pelagiana com uma doutrina metafísica da onipotência divina consideravelmente distinta das ideias de Agostinho, resultando em que a dependência soteriológica total da humanidade em Deus é considerada uma consequência do caráter do ser humano como criatura e não de sua pecaminosidade. A Queda não é, portanto, tida como um divisor de águas na economia da salvação”. Outro teólogo medieval pode ser citado como um firme agostiniano, Gregório de Rimini: “Enquanto o predestinarismo de Bradwardine é resultante de sua doutrina metafísica da onipotência divina, o de Gregório surge de seu conceito cristologicamente centrado na história da salvação” (cf. Alister McGrath,Origens intelectuais da Reforma). De qualquer forma, recomendo a obra de McGrath, que oferece uma boa discussão do impacto de Bradwardine e de Rimini na teologia posterior, e as diferenças entre as escolas filosóficas de ambos.
Acerca de Tomás de Kémpis, há uma carta que Susanna Wesley escreveu ao seu filho John, reclamando por aquele crer na predestinação (datada de 8 de junho de 1725; cf. Susanna Wesley: The Complete Writings). E a respeito de Tomás de Aquino, ele também reconhece que ele “cria na predestinação agostiniana só para os eleitos”. Portanto, a afirmação de seu primeiro artigo, de que não havia ninguém que ensinasse a doutrina da predestinação entre Agostinho e a Reforma Protestante, é falaciosa – ainda que ele reconheça, corretamente, em seu primeiro artigo, que, “do século 16 ao 18 a principal corrente no meio protestante mundial era o que se convencionou chamar de calvinismo”. Portanto, para deixar claro, o que era comum a todos os teólogos medievais citados acima era a crença na predestinação dos eleitos, ou aqueles que são salvos; mas eles (com a possível exceção de Isidoro e Gottschalk) negavam que Deus predestinaria ativamente pecadores ao inferno, desde a eternidade, sem levar em conta suas próprias escolhas. Tal posição está em harmonia com o que havia sido definido no Sínodo de Quierzy, em 850 (cf. Denzinger-Hünermann [ed.], Compêndio, 621-621):
“Cap. 1. Deus onipotente criou o homem sem pecado, reto e com livre-arbítrio e, querendo que permanecesse na santidade da justiça, colocou-o no paraíso. O homem, porém, usando mal o livre-arbítrio, pecou e caiu, e se tornou a ‘massa da perdição’ de todo o gênero humano. Deus bom e justo escolheu, porém, dessa massa de perdição, segundo sua presciência, os que por graça predestinou [Rm 8.29s; Ef 1.11] à vida, e predestinou-lhes a vida eterna; dos outros, porém, que segundo o juízo da justiça deixou na massa da perdição, ele sabia com antecedência que se perderiam, não porque os tivesse predestinado a se perderem, mas porque, sendo justo, lhes predestinou uma pena eterna. E por isso falamos, simplesmente, de uma só predestinação de Deus, que se refere quer ao dom da graça, quer à retribuição da justiça.
Cap. 2. No primeiro homem perdemos o livre-arbítrio, e o recebemos mediante Cristo nosso Senhor; de uma parte, temos o livre-arbítrio para o bem, prevenido e ajudado pela graça, de outra temos o livre-arbítrio para o mal, abandonado pela graça. Temos, pois, o livre-arbítrio, porque foi libertado pela graça e pela graça foi sanado do arbítrio corrompido.”
2. A RESSURGÊNCIA DA SOTERIOLOGIA AGOSTINIANA
Silas se equivoca ao supor que dei “a entender que a posição agostiniana referente à (…) Salvação era, se não majoritária, pelo menos de grande influência na Idade Média, quando, na verdade, ela não foi nem majoritária, nem de grande influência na época de nenhum desses nomes, mas muito ao contrário”. Nenhum especialista em história do pensamento cristão fez tal afirmação. Também é evidente para qualquer estudioso do período medieval que o pelagianismo e o massilianismo (ou “semipelagianismo”) eram a posição dominante no catolicismo popular medieval, ainda que os principais teólogos do período seguissem em maior ou menor grau a soteriologia de Agostinho. E é justamente a prevalência do “semipelagianismo” na igreja medieval que fornece o contexto para que a Reforma Protestante seja chamada de “renascença agostiniana” (cf. Timothy George, Teologia dos reformadores) e o movimento puritano inglês e escocês dos séculos XVI e XVII seja chamado de “agostinianismo reformado” (cf. J. I. Packer, “Os puritanos”, Robin Keeley (org.), Fundamentos da teologia cristã).
Assim sendo, é necessário dizer que ainda que quase todos os teólogos reformados e luteranos no continente, assim como os teólogos puritanos na Inglaterra, fossem firmemente monergistas, há diferenças de método e ênfase entre eles, como qualquer leitor dos mesmos sabe (pode-se citar, somente a título de ilustração, Martinho Lutero, Martin Bucer, Ulrich Zwinglio, João Calvino, Teodoro de Beza, William Perkins e William Ames). Aliás, não deixa de ser irônica a tentativa do autor de usar o pensamento de João Calvino como uma espécie de gabarito para analisar os autores mais antigos – quando a obra de Ames, The Marrow of Theology foi imensamente mais influente no calvinismo na Inglaterra e nas treze colônias na América (que se tornariam os Estados Unidos) nos séculos XVII e XVIII que as Institutas da Religião Cristã.
Portanto, mais uma vez: o que define uma tradição não são os escritos dos teólogos que pertencem à certa tradição, mas sim as confissões de fé que resumem esta tradição. Se o leitor, portanto, quer saber o que a tradição reformada ensina sobre predestinação, deve ir diretamente à Confissão de Fé de Westminster (III.1-8), àConfissão Belga (Artigo 16), à Segunda Confissão Helvética (X.1-9) e aos Cânones de Dort (I.6-18, II.8-9, e rejeições de erros).
3. A PROGRESSÃO DO DOGMA
Em nenhum de meus escritos afirmo algo como uma “forte linhagem histórica calvinista”, como o autor sugere. Nem mesmo fiz isso em minha avaliação do artigo dele. Na verdade, a meu ver, o maior erro presente na análise histórica de Silas Daniel é o anacronismo, que “consiste em utilizar os conceitos e ideias de uma época para analisar os fatos de outro tempo” – segundo Lucien Febvre, o pecado mortal do historiador. Com isso, as nuances e diferenças na soteriologia dos pais latinos e gregos que viveram antes de Agostinho, assim como dos teólogos medievais, são perdidas, justamente por, no caso, o autor não permitir aos Pais da Igreja e Medievais falarem, mas tentar impor a estes autores categorias interpretativas estranhas ao pensamento deles, tais como “cinco pontos do calvinismo” ou do “arminianismo”. Ele constantemente usa estas categorias de avaliação (ou lentes interpretativas), tentando achar “textos-prova”, a favor ou contra estes, nos diversos escritores citados. Portanto, o uso destes eixos interpretativos, de forma anacrônica, torna sua pesquisa histórica comprometida.
Os eixos interpretativos devem ser: monergismo e sinergismo, ou agostinianismo e pelagianismo (e suas gradações, semiagostinianismo e “semipelagianismo”). Neste sentido, todos os autores que citei afirmaram uma soteriologia monergística (ainda que com diferenças entre si e inconsistências), e todos os que citei, em maior ou menor grau, seguiram as formulações de Agostinho sobre a predestinação (cf. a tabela em Reginald Garrigou-Lagrange, Grace: Commentary on the Summa Theologica of St. Thomas, ch. 1). Deve-se ter em mente que o autor-chave que mitigou e reinterpretou os ensinos de Agostinho sobre a graça foi Gregório I, o Grande – e que, junto com Agostinho, é considerado um dos “fundadores da Idade Média” latina (cf. J. LeGoff,Homens e mulheres da Idade Média).
O autor cita Jack Cottrell em seu apoio, para afirmar o que deveria ser claro: que nenhum Pai da Igreja antes de Agostinho cria na predestinação graciosa e soberana, ainda que usem tal fraseologia ocasionalmente (cf. 1 Clemente, 1.1; 6.1; 29.1; 46.4; 50.6-7). Mas, ao mesmo tempo em que critica Michael Horton, Cottrell (e, parece, Silas) cai no mesmo erro que ele visa corrigir; ele, aparentemente, não faz o serviço completo, ou seja, demonstrar qual seja a doutrina da salvação dos Pais da Igreja antes de Agostinho.
Por exemplo, a noção de livre-arbítrio em vários dos Pais (Justino, Irene e Tertuliano) estava, na maioria das vezes, conectada à teodicéia, não à soteriologia. E isso se deu porque a apologética destes Pais era dirigida contra o determinismo cego presente na cultura greco-romana. Sobre a salvação, em linhas gerais, os Pais diziam que a antiga lei tinha sido abolida, e o evangelho seria a nova lei. Deste modo, os Pais ressaltaram a obediência à esta nova lei, bem como a imitação de Cristo, como sendo o caminho da salvação, e o conteúdo essencial da vida cristã. Mesmo em Agostinho não havia uma noção da imputação da justiça de Cristo aos pecadores, recebida pela fé somente (um tema-chave da Reforma protestante do século XVI). Também se enfatizava que o Espírito Santo era recebido por meio do sacramento do batismo. Em outras ocasiões, a salvação era apresentada em termos de imortalidade e indestrutibilidade, em vez de perdão dos pecados. E vários dos Pais orientais, inclusive João Cassiano, no ocidente, afirmaram a doutrina sinergística da theosis, ensinando que a salvação seria adquirida por meio da divinização do homem. Em linhas gerais, estas várias formulações confundiram os ensinos bíblicos sobre a justificação e a santificação. Por outro lado, a noção da eleição por meio da presciência divina estava conectada, muitas vezes, com a previsão de algum tipo de mérito. Justino, por exemplo, afirmou que Deus “prevê que alguns se salvarão pela penitência” (cf. 1 Apologia, 28.2). Ainda assim, a morte e a ressurreição de Cristo eram enfatizadas como constituindo o fundamento da salvação dos homens – mas Cottrell e Silas parecem ignorar estas nuanças, que tornam a teologia dos Pais bem diferente da posição arminiana clássica (para a soteriologia dos Pais da Igreja, cf. J. N. D. Kelly, Patrística, caps. 13-14; Jaroslav Pelikan, A tradição cristã, v. 1, cap. 6).
De qualquer forma, duvido que um arminiano genuíno endosse tais posições – e Silas cai na própria armadilha que visa refutar. Por causa da interpretação anacrônica que arminianos contemporâneos (e mesmo calvinistas, como Steven J. Lawson, no irregularPilares da graça, v. 2) fazem dos escritores cristãos da Antiguidade e do Medievo, variações e diferenças entre os escritores antigos na soteriologia são ignoradas, justamente por não permitir que estes escritores falem, mas tentar impor categorias interpretativas estranhas ao pensamento deles. Mesmo a interpretação que Silas oferece de aspectos da soteriologia de Agostinho incorre no anacronismo, pois ele tenta interpretá-la pela lente dos “cinco pontos” do calvinismo. Uma interpretação da posição de Agostinho, sucinta, sóbria e muito mais perto da verdade, é sugerida por Colin Brown (cf. Filosofia e fé cristã):
“Frequentemente tem sido dito que tanto o catolicismo quanto o protestantismo têm sua origem em Agostinho. O primeiro obtém dele (mas não exclusivamente dele) seu alto conceito da igreja e dos sacramentos. O último segue Agostinho na sua visão da soberania de Deus, da perdição do homem no pecado e da graça de Deus que é o meio exclusivo para trazer a salvação ao homem. Assim como ocorre a todos os ditados fáceis, esta declaração acerca de Agostinho simplifica demais. Há, certamente, católicos hoje que compartilham do ponto de vista de Agostinho acerca da salvação e protestantes que não compartilham dele. Seja como for, porém, foi de Agostinho mais do que qualquer outro teólogo individualmente que o pensamento medieval recebeu seu arcabouço teológico de ideias. Mesmo quando pensadores posteriores alteraram a pintura dentro do quadro, o arcabouço com que começaram foi a teologia da igreja primitiva em geral e a de Agostinho em particular”.
O que é preciso ter em mente é que os escritos dos Pais da Igreja, especialmente no que se refere ao ensino da graça antes da controvérsia pelagiana, não pretendiam ser apresentações doutrinárias sobre salvação no sentido estrito do termo. Como resultado, não podemos esperar deles um quadro completo destes artigos de fé. Até porque a soteriologia não foi um problema com o qual eles precisaram se defrontar, já que os principais debates estavam relacionados com a Trindade e a divindade de Cristo – e resulta daí as tensões e mesmo contradições presentes em seus escritos, quando tratam da soteriologia.
Também é importante destacar que o Sínodo de Orange rejeitou o pelagianismo e o “semipelagianismo” (massilianismo), e a noção de que Deus predestinaria pecadores à perdição. Mas não rejeitou a predestinação para a vida eterna, e afirmou que a fé seria resultado da ação prévia do Espírito Santo (Denzinger-Hünermann (ed.), Compêndio, 397):
“[Conclusão redigida pelo bispo Cesário de Arles] Segundo a fé católica cremos também que, depois de ter recebido a graça pelo batismo, todos os batizados, com o auxílio e a cooperação de Cristo, podem e devem cumprir quanto diz respeito à salvação da alma, se quiserem empenhar-se fielmente. Ao contrário, não só não acreditamos que pelo divino poder alguns tenham sido predestinados ao mal, mas, se há alguns que querem crer em tamanho mal, com toda a reprovação lhes dizemos: anátema!
Professamos e cremos também, para nossa salvação, que cada boa obra não somos nós a iniciar, sendo depois ajudados pela misericórdia de Deus, mas que ele, sem que preceda algum mérito bom, nos inspira antes de tudo a fé e o amor a ele, para que, de uma parte, procuremos com fé o sacramento do batismo e, de outra, depois do batismo, com seu auxílio possamos cumprir o que lhe agrada. Por isso, evidentissimamente, é preciso crer que tão admirável fé – seja a do ladrão que o Senhor chamou para a pátria do paraíso [Lc 23.43], seja a do centurião Cornélio [At 10.3], seja a de Zaqueu, que mereceu acolher o próprio Senhor [Lc 19.6] – não vem da natureza, mas foi doada pela generosidade da graça divina”.
O que se rejeitou no Sínodo de Orange, portanto, foi a ideia de que predestinação e reprovação seriam noções simétricas. A posição estabelecida neste sínodo foi reafirmada no Sínodo de Quierzy, em 853, que rejeitou o ensino da predestinação à perdição (atribuído a Gottschalk), reafirmando que Deus predestina pela graça e salva pela misericórdia, e a reprovação é um ato de perfeita justiça, que pronuncia a pena unicamente para punir a falta, e após a previsão dessa: “Cap. 3. (…) Que alguns sejam salvos é dom daquele que salva; que alguns ao contrário se percam é culpa dos que se perdem” (Denzinger-Hünermann [eds.], Compêndio, 623). O Sínodo de Valença, realizado em 855, afirmou: “Cân. 3. (…) Assim professamos com fé a predestinação dos eleitos à vida e a predestinação dos ímpios à morte; na eleição dos que devem ser salvos, a misericórdia de Deus precede o mérito, mas na condenação dos que perecerão, o desmérito precede o juízo de Deus” (Denzinger-Hünermann [eds.],Compêndio, 628).
CONCLUSÕES
Três observações finais: parece que Silas ficou espantado com a repercussão de seu texto, mesmo em círculos fora das Assembleias de Deus. Isso se deu, me parece, por ser um texto bem escrito e por, finalmente, haver uma boa defesa do arminianismo – não do velho pelaginismo, ainda tão presente em nosso meio, mesmo em denominações históricas. E deve-se ter em mente que o debate soteriológico não está circunscrito a uma denominação. Ao escrever sua defesa do arminianismo, o autor está dialogando com toda a igreja evangélica.
Não indiquei ao Silas comentários bíblicos para suplementar a falta de exegese em seu texto. Isso seria indelicadeza de minha parte. Os indiquei aos leitores de meu texto, como qualquer um pode conferir, indo à primeira postagem. De qualquer forma, o desafio feito ao fim daquele texto permanece – por mais valioso que seja o diálogo com a tradição cristã, no fim, o que decidirá todo debate entre irmãos será a “exegese, exegese e mais exegese”. Pois, como diz a Confissão Belga (Artigo 2), “Deus se fez conhecer, ainda mais clara e plenamente, por sua sagrada e divina Palavra, isto é, tanto quanto nos é necessário nesta vida, para sua glória e para a salvação dos que lhe pertencem”.
Por fim, muitos leitores elogiaram o tom cordial de parte a parte. Isso se dá porque Silas, diferente de escritores pelagianos, não trata o calvinismo como uma heresia. E, é necessário deixar claro, mesmo calvinistas não tratam o arminianismo como herético. Ou, pelo menos, não deveriam. Por exemplo: Agostinho, refutou os erros dos massilianos (“semipelagianos”) em duas obras (A predestinação dos santos e O dom da esperança), mas tratou-os como irmãos ou amigos errados, não como hereges. William Ames (que foi conselheiro do presidente do Sínodo de Dort, Johannes Bogerman), escreveu que o arminianismo “não é corretamente uma heresia, mas um erro perigoso na fé”.
John Wesley reconheceu, em 1745, que sua teologia estava “a um fio de cabelo” do pensamento de João Calvino: “Ao atribuir todo o bem à livre graça de Deus. Ao negar o livre-arbítrio natural e o poder antecedente à graça. E, ao excluir o mérito humano; mesmo para o que ele realizou ou pratica pela graça de Deus”. Isso é exemplificado numa conversa que Charles Simeon teve com Wesley, em 1784:
“Senhor, sei que o chamam de arminiano; e algumas vezes sou chamado de calvinista; portanto, deveríamos desembainhar as espadas. Porém, antes de consentir em iniciar o combate, permita-me fazer-lhe algumas perguntas (…). Diga-me: o senhor se sente uma criatura depravada, tão depravada que nunca teria pensado em voltar-se para Deus, se ele não tivesse colocado isso em seu coração?
Sim [replicou o veterano], sinto-o realmente.
E não tem esperança alguma de tornar-se aceitável perante Deus por qualquer coisa que possa fazer por si; e espera na salvação exclusivamente através do sangue e da justiça de Cristo?
Sim, unicamente por meio de Cristo.
Mas, senhor, supondo-se que foi inicialmente salvo por Cristo, não poderia de alguma outra forma salvar-se depois, através de suas próprias obras?
Não, mas terei de ser salvo por Cristo do princípio ao fim.
Admitindo, portanto, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, o senhor, de um modo ou de outro não tem que se manter por suas próprias forças?
Não.
Nesse caso, então, o senhor tem que ser mantido, cada hora e momento, por Deus, tal como uma criança nos braços de sua mãe?
Sim, inteiramente.
E toda sua esperança está firmada na graça e misericórdia de Deus, para ser preservado até o seu reino celeste?
Sim, não tenho esperanças senão nele.
Então, senhor, com sua permissão embainharei novamente a minha espada; pois este é todo o meu calvinismo; esta é a minha eleição, minha justificação pela fé, minha perseverança final; em suma, é tudo quanto sustento, e como o sustento; portanto, se lhe parecer bem, em lugar de buscarmos termos e frases que serviriam de base para luta entre nós, unamo-nos cordialmente naquelas coisas sobre as quais concordamos.”
O grande desejo de John Wesley, ao qual ele devotou sua vida, foi pregar “as três grandes doutrinas bíblicas: o pecado original, a justificação pela fé e a consequente santidade”. Que Deus nos dê de seu Espírito Santo para não apenas confessar tais doutrinas, mas pregá-las com zelo e paixão nesta época em que a igreja cristã é desafiada e confrontada com um ambiente cultural e político cada vez mais hostil à fé evangélica.
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Divulgação: Bereianos
O propósito de Deus para o casamento é fazer com que nos tornemos semelhantes a Cristo.
Quando eu me inscrevi para poder casar em cartório, após um ano de ter me formado na faculdade, tudo que eu tinha que fazer era pagar uma taxa. Não houve treinamento, nenhum vídeo ou manual.
Apesar do fato de que eu não tinha habilidades de como fazer um casamento funcionar, a certidão de casamento foi concedida!
Eu sei que existem muitos homens que estão tentando descobrir exatamente o que Deus espera deles como maridos.
Então, eu vim com uma lista das coisas que eu acredito que são fundamentais para ser um marido piedoso.
Seja um líder espiritual
Sua esposa provavelmente entrou no casamento com algumas imagens idealizadas, por exemplo: Os dois juntos no início da manhã, ao redor da mesa, tomando suco de laranja fresco enquanto fazem a devocional.
Ela imaginou você saindo para o trabalho e dizendo: “Eu vou estar de volta à noite, e nós faremos estudo bíblico novamente.”
Depois de um mês de casados, sua esposa provavelmente está pensando: O que será que aconteceu? Ler as Escrituras e orar juntos é tão importante. Se eu pudesse rebobinar meu casamento começaria do zero!
Não importa há quanto tempo você está casado, comece a desenvolver hoje, um padrão que possa incluir no seu casamento. Lembre-se, é o marido que tem a obrigação de iniciar isso.
“Um homem não pode ser um teólogo profissional”, diz Doug Wilson, autor de Reformando o Casamento. “Mas, em sua casa, ele precisa ser um teólogo firme.”
Conduzir com humildade
A razão pela qual existem resistências sobre os homens serem líderes em um relacionamento conjugal é por que, muitos homens não conduzem isso com humildade.
Os homens são chamados por Deus para conduzir suas esposas, mas a nossa liderança deve ser altruísta.
Filipenses 2.3 diz: “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos” (Nova Versão Internacional).
Coloque este versículo em prática, e ele vai resolver 95 por cento dos problemas que enfrentamos.
Eu nunca conheci uma mulher que falasse: “Eu resisto a liderança de meu marido, mesmo ele sendo humilde e semelhante a Cristo.”
As mulheres que eu conheci tem o desejo de líderes piedosos em seu casamento.
Seja piedoso e um homem corajoso
1 Coríntios 16.13 dá uma definição clara de masculinidade bíblica: “Estejam vigilantes, mantenham-se firmes na fé, sejam homens de coragem, sejam fortes.” Antes de podermos ser maridos piedosos, devemos ser homens de coragem.
Vamos analisar a definição do que significa ser um homem de coragem. A essência da coragem é ter um grande temor a Deus! Tão grande que não tenha medo de nada mais.
Seja um provedor
O marido deve ter a responsabilidade de arcar com as necessidades básicas de uma casa.
Na verdade, 1 Timóteo 5.8 diz que se um homem não provê a sua família, ele é pior do que um pagão. Esse não é o tipo de reputação que eu quero ter diante da sociedade.
Um provedor é aquele que se antecipa, aquele que faz planos estratégicos para o progresso familiar. Ele pensa sobre as metas, não apenas financeiras, mas as metas espirituais e metas emocionais.
Em outras palavras, ele é o diretor executivo da família, é sua responsabilidade definir a direção.
E muitas vezes a mulher é a chefe de operações, em dois vocês unificam a direção tomada, para o bem da família.
Amar a Deus mais do que você ama sua esposa
Após 3 anos de namoro com Mary Ann, começamos a falar sobre casamento, um pouco mais tarde nós terminamos. Fiquei arrasado.
Certa noite enquanto orava, as coisas tornaram-se muito claras: Mary Ann tinha se tornado um ídolo na minha vida, eu me importava mais com as coisas que a deixava feliz do que as coisas que agradavam a Deus.
Era como se Deus estivesse dizendo: “Você não terá outros deuses diante de mim, e se você colocar algo ou alguém no meu lugar, vou retirá-lo de você.”
Em 25 anos de casamento, eu continuo a lutar contra o mesmo problema. Permaneço em “cheque” com esta pergunta: A quem devo temer mais, a minha mulher ou Deus?
O nível de dor pode ser imediato quando eu não agrado a minha esposa. Mas Deus me lembra: “Você fez a coisa certa, mesmo que naquele momento ela não tenha ficado feliz.”
Ame-a biblicamente
Para amá-la biblicamente, precisamos nos perguntar: “O que significa o amor de Deus por nós?” A essência do Seu amor por nós é refletida em Seu compromisso e sacrifício. Isso é o que o nosso amor, pela nossa esposa, precisa para se parecer com o de Cristo.
Para mim, muitas vezes, significa colocar as necessidades dela à frente das minhas próprias necessidades. Isso significa que eu ainda vou sacrificar muita coisa por ela, mesmo quando nos desentendemos, ela deve ser a minha prioridade.
Lembre-se do pequeno verso do voto matrimonial, “Deixando os outros, até que a morte nos separe”.
Isso significa que seu relacionamento com sua esposa é o mais importante do que qualquer outro relacionamento – amigos, seu chefe ou até mesmo seus filhos.
Simplificando, devemos amar nossa esposa mais do que qualquer coisa na terra; essa é a essência do relacionamento conjugal.
DL Moody resumiu melhor: “Se eu quiser saber se um homem é cristão, eu não iria questionar um ministro, eu iria pedir informações à sua esposa. Se um homem não trata sua esposa da forma correta, eu não quero ouvi-lo falar sobre o cristianismo. Qual é a utilidade de falar sobre a salvação se ele não tem salvação para esta vida? ”
Em maio passado, Mary Ann e eu celebramos o nosso 25º aniversário de casamento em Maui, Hawaii. Os cenários foram incríveis e realmente estávamos muito felizes juntos.
Durante o jantar naquela noite, poderíamos dizer que, apesar de todos os desafios que têm vindo em nossa direção, nós não mudaríamos o resultado dos nossos momentos.
Por isso Deus tem usado a nossa relação para compartilharmos uns com os outros, mais do que qualquer outra coisa, para que nos tornemos mais semelhantes a Cristo, o que finalmente é o Seu propósito para o casamento.
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Fonte: cru.org
Lembremo-nos que, mesmo a adoração sendo sobre Deus e dirigida a Ele, ela também é um meio que Deus pode usar para nos fortalecer e nos encorajar.
Traduzido por Victor Bimbato no Reforma21.org
Nessa nova série do VE você será apresentado à vida e obra de Edwards, e assim como ele, irá se maravilhava com a beleza da obra de Deus na criação e no meio do seu povo.
Hoje veremos a terceira aula da série, “O Grande Avivamento”:
Clique e conheça um vasto repertório de livros e artigos sobre este grande teólogo.
Por: Stephen J. Nichols. © 2015 Ministério Fiel. Original: Jonathan Edwards: O Grande Avivamento (3/6).
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