Adaptado do livro Reading the Word of God in the Presence of God: A Handbook for Biblical Interpretation, de Vern Poythress.
1. A Bíblia é a própria palavra de Deus.
Isso significa que o que a Bíblia diz, Deus diz.
2. Deus governa o mundo inteiro através de sua palavra divina, que define e controla tudo o que acontece.
A Bíblia sugere que Deus governa o mundo por meio de sua fala, mas não ouvimos esse discurso; vemos tão somente os seus efeitos (por exemplo, Sl 33.6, 9; 147.15-18). A Bíblia, ao contrário, é a palavra de Deus, projetada por ele para falar especificamente a nós como seres humanos. Todo pronunciamento divino, quer seja feito para governar o mundo em geral ou a nós como seres humanos, possui um caráter divino. Em particular, ele manifesta o senhorio de Deus em autoridade, controle e presença.
3. Deus nos declara a sua palavra em pactos (Gn 9.9; 15.18; 17.7; Êx 19.5 etc.).
Um “pacto” é um acordo solene, com vinculação jurídica entre duas partes. Neste caso, as duas partes são Deus e os seres humanos. No Antigo Testamento, os pactos de Deus com os seres humanos apresentam algumas afinidades com os tratados de suserania do antigo Oriente Próximo. Esses tratados apresentam cinco elementos, que também aparecem explicitamente ou por implicação nos pactos de Deus no AT: identificação do suserano (Êx 20.2); prólogo histórico (Êx 20.2); estipulações (Êx 20.3-17); sanções (i.e., bênçãos e maldições – Êx 20.7; ver também v. 12); registro e transmissão (Êx 31.18; Dt 31).
A identificação de Deus proclama a sua autoridade transcendente, e as estipulações como normas implicam a sua autoridade sobre o povo. O prólogo histórico mostra como ele exerceu seu controle no passado histórico. As bênçãos e maldições indicam como ele exercerá o seu controle no futuro. Sua identificação também proclama a sua presença, e o registro e transmissão das palavras do pacto implicam sua presença contínua com o povo.
4. Toda a Bíblia é a palavra pactual de Deus.
Ou seja, a ideia de pacto nos oferece uma perspectiva sobre a Bíblia. O Novo Testamento proclama o evangelho no que diz respeito à morte, ressurreição e ascensão de Cristo. O apóstolo Paulo caracteriza todo o seu ministério como um ministério do “novo pacto” (2Co 3.6). Assim, todos os escritos de Paulo são, em um sentido amplo, palavras pactuais. Na Última Ceia, Jesus inaugurou o “novo pacto” (Lc 22.20; 1Co 11.25). Os demais apóstolos e autores do Novo Testamento atuam para transmitir as palavras do novo pacto para nós.
Quando a Bíblia usa a palavra novo para descrever o novo pacto, ela claramente pressupõe um mais antigo. O novo pacto satisfaz o pacto abraâmico (Gl 3.7-14) e o davídico (AT 20.30-36), mas é o mosaico que está principalmente em perspectiva quando o Novo Testamento insinua um pacto que é “antigo” (Hb 8.8-13). O pacto mosaico também contém, em Deuteronômio 31, instruções explícitas para preservar os documentos canônicos pactuais e também sobre os futuros profetas (Dt 18.18-22). A totalidade do Antigo Testamento consiste em adições divinamente autorizadas ao penhor mosaico inicial, de modo que ele se encaixa na estrutura pactual inaugurada com Moisés. O Antigo Testamento inteiro é pactual em seu caráter.
Sendo assim, ambos os Testamentos podem ser vistos como pactuais em um sentido amplo. De fato, os nomes tradicionais por que são chamados — “Testamentos” — denotam o seu caráter pactual (“testamento” é um sinônimo aproximado para “pacto” no uso teológico posterior, que se baseia em Hebreus 9.15-16).
Claro que há vários autores humanos. Mas sua unidade de acordo com o autor divino implica que devemos vê-lo como uma mensagem única, e usar cada passagem e cada livro para nos ajudar no entendimento dos outros. Porque Deus é fiel a seu próprio caráter, ele é consistente consigo mesmo. Devemos, portanto, interpretar cada passagem da Bíblia em harmonia com o restante dela.
5. A Bíblia é um livro só, com Deus como seu autor.
É claro que ela tem múltiplos autores humanos. Mas sua unidade de acordo com o autor divino implica que devemos vê-la como uma só mensagem unificada, e usar cada passagem e cada livro para entender os outros. Porque Deus é fiel a seu próprio caráter, ele é consistente consigo mesmo. Devemos, portanto, interpretar cada passagem da Bíblia em harmonia com o resto dela.
6. A Bíblia é teorreferente.
Ela não apenas tem Deus como o seu autor, mas em um sentido fundamental ela fala sobre Deus como o seu assunto principal. Ela faz isso até mesmo nas passagens históricas que não mencionam Deus diretamente, pois a história que ela narra é a história governada por Deus.
7. A Bíblia é cristocêntrica.
Os pactos mediam a presença de Deus para nós, e no coração deles está Cristo, que é o único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5). Cristo, como o servo vindo do Senhor, é virtualmente identificado com o pacto em Isaías 42.6 e 49.8. Em Lucas 24, Jesus ensina aos apóstolos que todas as Escrituras do Antigo Testamento são acerca dele e sua obra (Lc 24.-25-27, 44-49).
Entender como o Antigo Testamento fala acerca de Cristo é desafiador, mas em virtude do ensino de Jesus isso não pode ser evitado. Felizmente, temos o Novo Testamento para nos socorrer. Ele contém não apenas os ensinos que nos ajudam a entender o Antigo Testamento como um todo, mas muitas citações do Antigo Testamento que ilustram as reivindicações de Jesus em Lucas 24.
8. A Bíblia é orientada para a história da redenção.
Deus determinou os livros da Bíblia a serem escritos ao longo de séculos. A linguagem posterior de Deus baseia-se na sua linguagem anterior, e mais adiante revela o significado do seu plano para a história. A redenção de Deus assume lugar na história. O cristianismo não é meramente uma filosofia religiosa, um conjunto de verdades gerais sobre Deus e sobre o mundo. Em seu coração está o evangelho, as boas-novas de que Cristo veio, viveu, morreu e ressurgiu da morte, e agora vive a interceder por nós. Deus executou a nossa salvação ao vir na pessoa de Cristo e ao agir no tempo e no espaço. A mensagem do que ele fez agora segue para as nações (Mt 28.18-20; At 1.8).
9. A primeira e segunda vindas de Cristo são centrais à história.
A obra da redenção de Deus chegou ao clímax na obra de Cristo na terra, especialmente em sua crucificação, morte, ressurreição e ascensão. Cristo agora reina à mão direita do Pai (Ef 1.20-21). Ansiamos pela consumação futura da redenção, quando Cristo retornar.
10. A obra divina da redenção entrelaça palavra e ato.
Vemos isso se entrelaçando até mesmo durante a sua obra da criação:
Palavra: Deus diz, “haja luz”.
Ato: e houve luz.
Palavra: E viu Deus que a luz era boa [similar à avaliação verbal] (Gn 1.3-4).
Palavra: “Façamos o homem à nossa imagem”.
Ato: então criou Deus o homem à sua própria imagem.
Palavra: e disse-lhes Deus: “Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1.26-28).
Da mesma forma, as palavras de Jesus interpretam seus atos, e vice-versa:
Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis; mas, se faço, e não me credes, crede nas obras; para que possais saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no Pai (Jo 10.37-38).
No livro de Atos, os milagres e crescimento da igreja ajudaram os incrédulos a compreender as implicações do ensino apostólico, e vice-versa:
Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Pois os espíritos imundos de muitos possessos saíam gritando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos foram curados (At 8.5-7).