Por Jonas Ayres
Do outro lado da corda existe o sistema eclesiástico atual, que precisa dar ouvido as criticas que o pensamento pós-moderno está fazendo, justamente por estar dentro de um “sarcófago” em estado de inércia. No entanto, ao dar ouvidos, não deve se deixar levar pelas filosofias que minam os fundamentos da fé cristã. Vale entender que é necessário “aprender ainda outra língua – a das formas de pensamento das pessoas com quem falará. (…) Cada geração cristã defronta com este problema de aprender como falar ao seu tempo de maneira comunicativa (SCHAEFFER, 2001, p.5).
Devido a este estado de inércia e improdutividade, onde os crentes estão mais preocupados com o próximo best-seller “cristão” ou com o novo CD gospel, ou mesmo com o “show” que vai abalar a cidade com o artista gospel do momento, poucos, muito poucos “estão conscientes do estado do mundo e das profundas mudanças por que passa a civilização. (…) A igreja, por indiferença ou por interesse, está prisioneira do século” (CAVALCANTI, 2000, p.108).
Observa-se nas igrejas, particularmente no Brasil, um sistema hierarquirizado, onde os membros estão mais preocupados com sua religião e com traçar uma carreira ministerial do que em levar a mensagem para aqueles que estão fora. E dentro do macrogrupo dos que estão fora, existe a sociedade de mente pós-moderna (e até mesmo pós-cristã).
A pergunta que fere como uma marreta na penha é: onde estão as boas obras e o diferencial da igreja que se coloca como guardiões eternos da verdade? Como manter uma ortodoxia sem boas-obras? Estamos vivendo um cristianismo paradoxal? Jesus e seus discípulos, conforme descrito no Novo Testamento, eram dedicados à exposição do Reino de Deus nos ensinos e na prática. Neste sentido a igreja precisa ser mais relacional, conforme Castañeira (2009) disse:
Temos que revisar, então o modelo de Jesus cujo ministério público foi essencialmente relacional. Ele andava no meio das multidões, ou então tinha encontros privados com determinadas pessoas, até mesmo de noite. Ele sabia o que era sentir o calor do meio-dia no deserto da Samaria, ou o frio da morte no quarto de um adolescente. Ele deixou-se tocar por uma mulher cerimonialmente impura, e tocou intencionalmente num leproso, isolado pela sociedade. Ele falou de situações cotidianas, de sal e lâmpada, de sementes e pastores, de pais e filhos.
A ortopraxia é algo que está interligado à ortodoxia. Ser um cristão bíblico é defender a verdade absoluta do cristianismo e prover um ensino correto (ortodoxia) bem como colocar em prática os ensinos fundamentais do Senhor quanto ao amor ao próximo, ou seja, “um conceito elevado da ortodoxia não pode anular nem subverter a importância da ortopraxia” (MACARTHUR, 2008, p. 67).
A igreja atual precisa manter a ortodoxia e se “reformar” quanto a instituição e prática. Um exemplo de reformador foi Martim Lutero que à 500 anos atrás, insistiu que a Igreja necessitava de mudanças, seu desejo era que a graça de Deus não fosse comercializada, que todos tivessem seu próprio exemplar da Bíblia na língua que falavam e liam. Lutero afirmava que todos tinham um chamado divino para servir a Deus, não apenas os clérigos, que tinham ofícios nas igrejas. Como Tillich descreve, acerca do pensamento de Lutero: (2007, p.251):
Todos os cristãos são sacerdotes tendo, potencialmente, a tarefa da pregação da Palavra e da administração dos sacramentos. Todos pertencem ao elemento espiritual. (…) o sacerdote oficial apenas fala pelos outros porque os outros não sabem se expressar como ele.
Essas idéias eram revolucionárias para o mundo de sua época. Lutero expôs conceitos ímpares a seus ouvintes. Eles lhe deram ouvidos, e aconteceu uma grande mudança religiosa e cultural. Milhares de pessoas tiveram acesso a Deus de maneiras até então desconhecidas. Retirando camadas de tinta desnecessárias e, ao mesmo tempo, redescobrindo elementos essenciais que se haviam perdido, a obra de arte de Lutero foi parte do que veio a ser conhecido como Reforma. Graças a esse movimento, as igrejas no mundo todo repensaram sua maneira de ser igreja, todos ganharam.
Porém, o processo não pode parar. Na verdade, as pessoas contemporâneas de Lutero empregavam uma palavra muito específica para esse processo interminável e absolutamente necessário de mudança e crescimento. Eles não empregavam a palavra reformada, mais sim reformando. Essa distinção é essencial. Tinham consciência de que o que eles diziam ou faziam, escreviam e decidiam precisaria num futuro breve ser revisado, reelaborado. No entanto, sempre calçado com a plena certeza de que a Palavra é a verdade e único fundamento. Lutero, a 500 anos, já respondia este pragmatismo desenfreado e cheio de relativismo dando o parâmetro de boas-obras (1999, p. 11):
Em primeiro lugar, é preciso saber que não há boas obras senão apenas aquelas que Deus mandou fazer. Também não existe pecado senão apenas aquele que Deus proibiu. Por isso, quem quiser conhecer e praticar boas obras não precisa conhecer senão o mandamento de Deus (…). Devemos aprender a perceber as boas obras a partir dos mandamentos de Deus, e não baseados na aparência, na grandeza ou na quantidade de obras em si mesmas, tampouco na opinião das pessoas ou em leis ou costumes humanos.
FAZENDO A DIFERENÇA
Quando o amor de Jesus (e o amor por Jesus) está presente verdadeiramente na vida de um cristão, o impulso por fazer o bem sem olhar a quem emana do mesmo. O agir de modo coerente com a Palavra, leva o cristão a agir com atos de misericórdia e bondade, entendendo que não é possível criar mérito diante de Deus com tais atos, mas que através de tais atitudes, o amor de Deus é derramado na sociedade e o Reino de Deus é implantado, através de boas obras e da declaração das boas novas. Sendo assim, “é no fazer, apenas, que se consuma a submissão à vontade de Deus. No cumprimento da vontade de Deus o ser humano desiste de todo direito próprio, de toda auto-justificação. No cumprimento, ele se entrega humildemente ao bondoso juiz” (BONHOEFFER, 2001. p. 29).
Somos sim chamados a fazer acontecer, e no contexto pós-moderno, mais do que nunca. Tais preceitos são necessários e precisam seguir os padrões bíblicos:
1) Deus requer de Seus filhos: Mt 5.16; 2Co 9.6,8; Tt 2.14; Tg 2.17 – aliados a Mt 3.8; Gl 5.6 e Jo 15.5;
2) Não há possibilidade de se “considerar bom” por fazer obras: Rm 3.28
Em resumo: “Duas coisas são necessárias para que qualquer obra se qualifique como boa diante de Deus: deve estar conforme a lei divina e deve proceder do motivo certo” (KOEHLER, 2002, 122).
Todo cristão é chamado a fazer o bem. Como seguidores de Jesus, somos chamados a levar a mensagem de reconciliação para com Deus, e nessa sociedade tão carente e encharcada com os conceitos vazios do pós-modernismo, nada como demonstrar o genuíno amor cristão sem interesses secundários. Provavelmente, os grande centros urbanos – as cidades – são os celeiros missionários no contexto pós-moderno. Existe uma missão a ser executada: a boa obra de anunciar Jesus para os secularizados dos grandes centros urbanos, falando do amor de Deus, protegidos pela verdade da Palavra, sem se deixar levar pela onda pós-moderna, por pior que seja o rótulo recebido.
A possibilidade de anunciar o Reino de Deus é muito real neste contexto social. Hoffmann procura destacar os pontos principais desta missão, mencionando “Subsídios para melhor aproximação da realidade urbana” (2008, p. 132-136)[1]: Aproximação geográfica; Aproximação por necessidades específicas; Aproximação por necessidades sociais específicas; Aproximação pelos espaços da legislação. Afinal de contas:
A presença da igreja, a partir deste enfoque, tem a finalidade de inserir-se conscientemente na construção e na vigilância por condições dignas para a população urbana. Somos cidadãos do Reino de Deus, mas também somos cidadãos brasileiros responsáveis pela luta por dignidade, saúde, habitação, educação, trabalho, segurança e liberdade (HOFFMANN, 2008, p.133).
Neste sentido, será necessário um esforço de todo coração dos cristãos no sentido de ser agentes de evangelização, promoção de reconciliação da paz, cuidado para com as pessoas e humanização.
Com este propósito em mente e no coração, seguindo o padrão de Deus expresso em Sua Palavra, o vazio pós-moderno poderá ser preenchido com a Verdade – Jesus Cristo – para o bem geral da sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os tempos estão mudando, a igreja atual necessita novamente deste aspecto reformando. Para muitos pós-modernos a palavra cristão está associada a todo tipo de imagens que nada dizem sobre quem é Jesus verdadeiramente e sobre a maneira pela qual Ele ensinou a viver. Para outros Jesus é muito bom, porém o que a Igreja fez no passado e continua fazendo no presente em muitos aspectos, demonstra exatamente o contrário do que Ele ensinou. Isso precisa mudar.
Em primeira instância, é urgente que a fé cristã não se dobre ou molde ao pensamento pós-moderno. Não podemos nos dar ao luxo de criar “adaptações” que tragam satisfações individuais para que a mensagem seja aceita. Não. O que é possível é a tentativa de utilizar termos que sejam sinônimos ou que remetam a definição original de palavras frequentementes utilizadas dentro do cristianismo. Por exemplo, “se a palavra ‘verdade’ continuar a causar problemas intratáveis, uma abordagem alternativa pode ser tentada. Em vez de perguntarmos se o cristianismo é verdadeiro, deve-se perguntar ao pós-modernista se ele pode ser considerado como crível” (MCGRATH, 2008, 313). Tal tentativa não muda a mensagem, como é feito no padrão Emergente.
No aspecto do Movimento Emergente, a igreja cristã tradicional não deve se preocupar em ser taxada de intolerante, fundamentalista ou quadrada. A defesa da fé deve permanecer nos corações dos cristãos do século XXI. Não é possível transformar o Pão da Vida – Jesus Cristo – numa espécie de “farinha de rosca” religiosa que envolva o pluralismo religioso pós-moderno num ecumenismo “à milanesa”. Hereges e heresias foram motivo de muita luta em 2.000 anos de história cristã, e não seria neste tempo de tanta apostasia que problemas deixariam de surgir.
Por fim, está passada a hora da retomada missional da igreja, sair das paredes do templo e agir de modo mais prático – ortopraxia sem descuidar da ortodoxia. As palavras de Stott são perfeitas para tal definição (2007, p.194):
A vida cristã é uma vida em família, na qual os filhos desfrutam da comunhão com o Pai e com os irmãos. Mas não pense que as nossas responsabilidades como cristãos terminam aqui. Os cristãos não formam um grupo fechado e arrogante, interessado apenas em seu bem-estar. Ao contrário, todo cristão deveria desenvolver um interesse profundo por todos os seus semelhantes, e procurar servi-los de todas as formas. Isso faz parte da sua vocação cristã.
Ser de fato um seguidor de Jesus Cristo implica em fazer e acontecer conforme o Mestre. A igreja somos nós, cada cidadão que confessa o nome do Senhor. Já que reivindicamos o fato de ser luz neste mundo e sal nesta terra, onde está nossa luz e nosso sabor? Por amor de todos, independente de status social, cor, raça e credo, é necessário servir a Deus, servindo ao próximo, para o bem de todos. Todos.
Eis o nosso desafio. Que o Senhor nos ajude.
NOTAS
[1] Para maior profundidade de informações, a consulta à obra em questão é indispensável.
BIBLIOGRAFIA
BONHOEFFER, Dietrich. Ética. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
CASTAÑEIRA, Angel. Citado in LOPES, Carlos Augusto. A Igreja Cristã e os desafios da pós – modernidade: relevância sem perder a essência. Publicado em 15/04/2009 – http://carlosalopes.blogspot.com/2009/04/igreja-crista-e-os-desafios-da-pos.html – texto consultado em 01/01/2010.
CAVALCANTI, Robinson. A igreja, o país e o mundo: desafios a uma fé engajada. Viçosa: Editora Ultimato, 2000.
HOFFMANN, Arzemiro. A cidade na missão de Deus. Curitiba: Encontro Publicações; São Leopoldo: Sinodal, 2008.
KOEHLER, Edward W.A. Sumário da doutrina cristã. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2002.
LUTERO, Martim. Ética cristã. São Leopoldo: Sinodal, 1999.
MACARTHUR, John. A guerra pela verdade. São José dos Campos: Editora Fiel, 2008.
MCGRATH, Alister. Apologética cristã no século XXI: ciência e arte com integridade. São Paulo: Editora Vida, 2008.
SCHAEFFER, Francis. A morte da razão. São Paulo: ABU Editora; São José dos Campos: Editora Fiel, 2001.
STOTT, John. Cristianismo básico. Viçosa: Editora Ultimato, 2007
TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. 4ª ed. São Paulo: ASTE, 2007.